A Justiça do Amapá reconheceu a dupla maternidade de um casal de advogadas. Sua filha, nascida em fevereiro de 2024, agora é registrada em nome de ambas. As advogadas moveram uma ação para retificar a certidão de nascimento da filha, que foi concebida por inseminação caseira – com material genético doado por um homem com nome mantido em sigilo. O casal relatou que, após tentativas em clínicas, optou pelo método caseiro.
No registro inicial, a criança teve apenas o nome da mãe gestante, pois faltava documento de clínica para a inscrição da mãe não gestante. As requerentes argumentaram que o projeto parental era do casal e destacaram que a mãe não gestante induziu a lactação e amamenta a bebê, reforçando o forte vínculo afetivo.
A petição inicial das advogadas argumentou que a situação diferia da filiação socioafetiva tradicional, que se constrói com o tempo. Para as autoras, o projeto parental foi planejado desde o início; a filiação da criança não deveria se reduzir ao vínculo biológico. Elas pediram o reconhecimento da dupla maternidade sem distinção de vínculo, com base nos princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana.
Juridicamente, o caso expôs a falta de regras específicas para o registro de filhos concebidos por métodos caseiros. Os provimentos do CNJ (nº 63/2017 e o mais recente nº 149/2023), embora disciplinem a dupla maternidade ou paternidade para casais homoafetivos, exigem declaração de clínica especializada.
A juíza Elayne Cantuária, da 2ª Vara de Família, Órfãos, Sucessões e Medidas Protetivas de Idosos da Comarca de Macapá, dispensou a exigência de declaração de clínica de reprodução assistida, normalmente requerida por provimentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por reconhecer o projeto parental e os laços afetivos estabelecidos com a criança, concebida por inseminação caseira.
A magistrada baseou sua decisão na prevalência do afeto, do melhor interesse da criança e dos direitos fundamentais que orientam o direito de família. Ela considerou “incoerente negar o registro de dupla maternidade apenas por não se usar um método convencional de reprodução, principalmente quando o desejo de constituir família e de assumir as responsabilidades maternas se demonstrou de forma inequívoca”.
A sentença citou precedentes de tribunais estaduais, como os de Minas Gerais e Paraná, que flexibilizaram as normas do CNJ em casos parecidos. Também se apoiou em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre multiparentalidade e do Superior Tribunal de Justiça, que autoriza o registro simultâneo de pais biológicos e socioafetivos. O direito ao livre planejamento familiar, previsto na Constituição Federal de 1988, também foi base da decisão.
Com a decisão, a juíza da 2ª vara de família de Macapá reconheceu a dupla maternidade requerida e, no nome da menina, agora constam os sobrenomes de ambas as mães, sem distinção de maternidade biológica ou afetiva. A sentença, que incluiu o nome da mãe não gestante e de seus pais como avós, tornou-se um precedente local para novas configurações familiares no Amapá e uma proteção legal a famílias homoafetivas.
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TJAP