DOU 27/6/2025 – Edição Extra-A
Regulamenta a Lei nº 15.142, de 3 de junho de 2025, para dispor sobre reserva de vagas às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas em concursos públicos e em processos seletivos simplificados para contratação por tempo determinado, e sobre a classificação de pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas em caso de inclusão em múltiplas hipóteses de reserva de vagas.
O PRESIDENT E DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 15.142, de 3 de junho de 2025, e no art. 1º, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010,
DECRETA:
Objeto e âmbito de aplicação
Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 15.142, de 3 de junho de 2025, para dispor sobre reserva de vagas às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas em:
I – concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União; e
II – processos seletivos simplificados para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, para os órgãos da administração pública federal direta, as autarquias e as fundações públicas.
§ 1º Este Decreto também dispõe sobre a classificação de pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas em caso de inclusão em múltiplas hipóteses de reserva de vagas.
§ 2º Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se pessoas negras aquelas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, nos termos da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.
Reserva de vagas
Art. 2º A reserva de vagas observará, além da autodeclaração, os seguintes procedimentos:
I – confirmação complementar à autodeclaração, para pessoas pretas e pardas; ou
II – verificação documental complementar, para indígenas e quilombolas.
Parágrafo único. Os procedimentos de que trata o caput submetem-se aos seguintes princípios e diretrizes:
I – respeito à dignidade da pessoa humana;
II – observância ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal;
III – garantia da padronização das regras e dos procedimentos;
IV – garantia da igualdade de tratamento entre as pessoas submetidas aos procedimentos no mesmo concurso público ou processo seletivo simplificado;
V – garantia da publicidade e do controle social dos procedimentos, resguardadas as hipóteses de sigilo previstas na legislação;
VI – atendimento ao dever de autotutela pela administração pública; e
VII – garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas nos concursos públicos e nos processos seletivos simplificados.
Art. 3º Os órgãos e as entidades públicos de que trata este Decreto, ressalvado o disposto em legislação específica, estabelecerão em seus editais de concurso público e de processos seletivos simplificados:
I – reserva de 25% (vinte e cinco por cento) do total de vagas para pessoas pretas e pardas;
II – reserva de 3% (três por cento) do total de vagas para indígenas; e
III – reserva de 2% (dois por cento) do total de vagas para quilombolas.
§ 1º Na hipótese de não haver candidatos quilombolas em número suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para as pessoas indígenas.
§ 2º Na hipótese de não haver candidatos indígenas em número suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para as pessoas quilombolas.
§ 3º Na hipótese de não haver candidatos indígenas ou quilombolas em número suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para as pessoas pretas e pardas, e, por último, para a ampla concorrência.
§ 4º Na hipótese de não haver candidatos aprovados em número suficiente para o preenchimento das vagas em ampla concorrência, as vagas remanescentes serão revertidas para candidatos pretos e pardos, indígenas e quilombolas, observada a proporcionalidade prevista nos incisos I, II e III do caput.
§ 5º Nos concursos públicos e nos processos seletivos simplificados de órgãos e entidades da administração pública federal que atuem com políticas públicas destinadas a indígenas e quilombolas, os editais poderão dispor de percentuais distintos daqueles previstos nos incisos I, II e III do caput, respeitado o percentual mínimo de 20% (vinte por cento) para pessoas pretas e pardas, e o percentual máximo de 30% (trinta por cento) em relação ao total de vagas, ressalvado o disposto em lei específica.
§ 6º O percentual de que trata o inciso II do caput não se aplica aos concursos públicos de que trata o art. 29 da Lei nº 14.724, de 14 de novembro de 2023.
Autodeclaração
Art. 4º Para concorrer às vagas reservadas, o candidato deverá se autodeclarar preto ou pardo, indígena ou quilombola ao se inscrever em concurso público ou processo seletivo simplificado, de acordo com os critérios de raça, cor e etnia utilizados pelo IBGE.
§ 1º O candidato que se autodeclarar preto ou pardo, indígena ou quilombola indicará em sua inscrição, em campo específico, se pretende concorrer pelo sistema de reserva de vagas.
§ 2º Até o fim do período de inscrição do concurso público ou processo seletivo simplificado, será facultado ao candidato optar por concorrer ou desistir de concorrer pelo sistema de reserva de vagas.
Procedimento de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas
Art. 5º A autodeclaração de pessoas pretas e pardas será confirmada mediante procedimento complementar, observado o disposto neste Decreto e em ato da Ministra de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
§ 1º A presunção relativa de veracidade prevalecerá na hipótese de dúvida razoável a respeito do fenótipo da pessoa preta ou parda, motivada no parecer da comissão do procedimento de confirmação complementar à autodeclaração, nos termos do disposto no art. 11, § 3º.
§ 2º Os editais de concurso público e processo seletivo simplificado explicitarão as medidas a serem adotadas no procedimento de confirmação complementar de que trata o caput.
Art. 6º Todas as pessoas pretas e pardas optantes pela reserva de vagas classificadas na fase imediatamente anterior serão convocadas para o procedimento de confirmação complementar à autodeclaração.
Art. 7º Os candidatos que optarem por concorrer às vagas reservadas às pessoas pretas e pardas, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência, e satisfizerem as condições de habilitação estabelecidas em edital deverão se submeter ao procedimento de confirmação complementar à autodeclaração de que trata o art. 5º.
Comissão de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas
Art. 8º O procedimento de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas será realizado por comissão criada especificamente para esse fim.
§ 1º A comissão de que trata o caput será constituída por pessoas:
I – de reputação ilibada;
II – residentes no País;
III – que tenham participado de oficina ou curso sobre a temática da promoção da igualdade étnico-racial e do enfrentamento do racismo, com fundamento em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica previsto no art. 49, § 1º, da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010; e
IV – preferencialmente, com experiência na temática da promoção da igualdade racial, das ações afirmativas e do enfrentamento do racismo.
§ 2º A comissão de que trata o caput será composta por cinco membros titulares.
§ 3º É obrigatória a designação de membros suplentes em igual número de membros titulares.
§ 4º A composição da comissão de que trata o caput deverá garantir a diversidade das pessoas que a integram quanto ao gênero, à cor e, sempre que possível, à origem regional.
Art. 9º A comissão de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas adotará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público ou processo seletivo simplificado.
§ 1º Serão consideradas as características fenotípicas da pessoa no momento em for realizado o procedimento de confirmação complementar à autodeclaração.
§ 2º Não será admitida, em nenhuma hipótese, a prova baseada em ancestralidade e em laudos médicos, dermatológicos, genéticos ou antropológicos.
Art. 10. A comissão de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas decidirá por maioria e emitirá parecer sobre a atribuição identitária autodeclarada pelo candidato.
Art. 11. Os editais de concurso público e de processos seletivos simplificados deverão prever a criação de comissão recursal para deliberar sobre os recursos interpostos à comissão de confirmação complementar à autodeclaração de pessoas pretas e pardas.
§ 1º A comissão recursal será composta por três membros, distintos daqueles que compuseram a comissão de confirmação complementar de que trata o art. 8º.
§ 2º O disposto nos art. 8º, art. 9º e art. 10 aplica-se à comissão recursal, ressalvado o disposto no art. 8º, § 2º.
§ 3º A autodeclaração do candidato prevalecerá na hipótese de haver decisão não unânime em desfavor do candidato, cumulativamente na:
I – comissão de confirmação complementar de que trata o art. 8º; e
II – comissão recursal.
Procedimento de verificação documental complementar à autodeclaração de indígenas
Art. 12. A autodeclaração de pessoas indígenas será confirmada mediante procedimento de verificação documental complementar, por comissão constituída por pessoas de notório saber na área, composta majoritariamente por indígenas.
Art. 13. Para fins do disposto neste Decreto, o procedimento de verificação documental complementar à autodeclaração de indígenas será feito pela análise de documentação comprobatória do pertencimento étnico do candidato, mediante a apresentação de:
I – documento de identificação civil do candidato, expedido por órgão público reconhecido na forma estabelecida na legislação, com indicação de pertencimento étnico;
II – documento de comunidade indígena ou de instituição ou organização representativa do povo ou grupo indígena que reconheça o pertencimento étnico do candidato, assinado por, no mínimo, três integrantes indígenas da respectiva etnia; ou
III – outros documentos que, na forma estabelecida no edital, estejam aptos a confirmar o pertencimento étnico do candidato, tais como:
a) comprovantes de habitação em comunidades indígenas;
b) documentos expedidos por escolas indígenas;
c) documentos expedidos por órgãos de saúde indígena;
d) documentos expedidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai ou pelo Ministério dos Povos Indígenas;
e) documentos expedidos por órgão de assistência social;
f) documentos constantes do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, instituído pelo art. 6º-F da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; e
g) documentos de natureza previdenciária.
Procedimento de verificação documental complementar à autodeclaração de quilombolas
Art. 14. A autodeclaração de pessoas quilombolas será confirmada mediante procedimento de verificação documental complementar, por comissão constituída por pessoas de notório saber na área, composta majoritariamente por quilombolas.
Art. 15. Para fins do disposto neste Decreto, o procedimento de verificação documental complementar à autodeclaração de quilombolas será feito pela análise de documentação comprobatória do pertencimento étnico do candidato, mediante a apresentação de:
I – declaração que comprove o pertencimento étnico do candidato, assinada por três lideranças ligadas à associação da comunidade, nos termos do disposto no art. 17, parágrafo único, do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003; e
II – certificação da Fundação Cultural Palmares que reconheça como quilombola a comunidade a qual o candidato pertence.
Aplicação da reserva de vagas durante o concurso público ou processo seletivo simplificado
Art. 16. As pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas que optarem por concorrer às vagas reservadas, na forma prevista no art. 4º, § 1º, concorrerão concomitantemente às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso público ou processo seletivo simplificado.
Art. 17. As pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas que optarem pela reserva de vagas aprovadas e forem nomeadas dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computadas para efeito de preenchimento das vagas reservadas.
Art. 18. Na hipótese de concurso público ou processo seletivo simplificado realizado em mais de uma fase, as pessoas pretas e pardas, indígenas ou quilombolas que obtiverem pontuação suficiente para aprovação em ampla concorrência deverão constar tanto na lista de classificados dentro das vagas reservadas quanto na lista de classificados da ampla concorrência.
Regras aplicáveis à cláusula de barreira
Art. 19. Os editais dos concursos públicos ou processos seletivos simplificados deverão assegurar a participação das pessoas pretas e pardas, indígenas ou quilombolas que optarem pela reserva de vagas em todas as suas etapas, desde que alcançada a nota mínima exigida em cada fase.
Fracionamento de vagas
Art. 20. A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas totais oferecidas no concurso público ou no processo seletivo simplificado for igual ou superior a dois.
§ 1º Os órgãos e as entidades deverão adotar medidas para evitar o fracionamento do número total de vagas disponíveis em diversos concursos públicos ou processos seletivos simplificados, com a adoção de agrupamento de cargos em edital único, excetuados os casos emergenciais ou devidamente justificados.
§ 2º Fica vedada a adoção de medidas com o propósito de dificultar ou inviabilizar a política de ação afirmativa de que trata este Decreto.
§ 3º Nos casos em que os editais de concursos públicos agrupem cargos pertencentes a diferentes unidades administrativas, áreas de especialidade ou estruturas regionalizadas do mesmo órgão ou entidade, poderão ser adotadas medidas, isolada ou cumulativamente, com vistas a assegurar a efetividade da política de reserva de vagas, conforme disposto em ato da Ministra de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Classificação em caso de inclusão em múltiplas hipóteses de reserva de vagas
Art. 21. O candidato que optar por concorrer em múltiplas hipóteses de reserva de vagas será classificado, ao fim do concurso público ou processo seletivo simplificado, exclusivamente na modalidade cujo percentual seja mais elevado, observada a ordem de classificação.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, considera-se o percentual de reserva de vagas estabelecido no edital do concurso público ou processo seletivo simplificado, respeitada a legislação aplicável à hipótese de reserva de vaga.
§ 2º Caso o percentual de vagas reservadas seja igual entre os grupos para os quais o candidato concorrer, a classificação será feita na modalidade em que o candidato obtiver melhor posição relativa na lista específica de classificação.
§ 3º O disposto neste artigo não impede que o candidato seja incluído, apenas para fins informativos, nas listas de classificação de todos os grupos para os quais se inscreveu, incluída a ampla concorrência.
Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas no Serviço Público Federal
Art. 22. Ato da Ministra de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos instituirá o Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas no Serviço Público Federal, para acompanhar e avaliar o cumprimento do disposto neste Decreto.
§ 1º O Comitê será coordenado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, na qualidade de órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec.
§ 2º Dois anos após a data de publicação deste Decreto, o Comitê deverá reavaliar os procedimentos de confirmação complementares à autodeclaração de que trata o art. 5º, e deverá assegurar a participação da sociedade civil e de representantes de órgãos da administração pública, em todos os níveis federativos, conforme estabelecido em ato da Ministra de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Disposições finais
Art. 23. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos poderá editar normas complementares necessárias à execução do disposto neste Decreto.
Parágrafo único. O edital do Concurso Público Nacional Unificado poderá excepcionalizar as regras previstas neste Decreto, conforme estabelecido em ato da Ministra de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Art. 24. Os órgãos e as entidades da administração pública federal integrantes do Sipec poderão implementar outras estratégias de gestão para maximizar os resultados da implementação da Lei nº 15.142, de 3 de junho de 2025.
Art. 25. O disposto neste Decreto não se aplica aos editais de concursos públicos e processos seletivos simplificados publicados até a data de sua publicação.
Art. 26. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 27 de junho de 2025; 204º da Independência e 137º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Esther Dweck
Anielle Francisco da Silva
Luiz Henrique Eloy Amado