Regulamenta a Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023, que institui pensão especial aos filhos e aos dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio.
O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DA PENSÃO E DOS SEUS BENEFICIÁRIOS
Art. 1º A pensão especial instituída pela Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023, é a garantia de um salário mínimo mensal aos filhos e aos dependentes menores de dezoito anos de idade na data do óbito de mulher vítima de feminicídio, crime tipificado no art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 1º Para fins da prestação da pensão especial, considera-se:
I – família, para o cálculo da renda per capita – a unidade composta por um ou mais indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas pela unidade familiar e que habitem em um mesmo domicílio no momento do requerimento;
II – renda familiar mensal – a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família;
III – renda familiar per capita – a razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos da família;
IV – dependente – o enteado, a criança e o adolescente, menor de dezoito anos de idade, que estejam sob guarda, provisória ou definitiva, ou tutela, provisória ou definitiva, da mulher vítima de feminicídio, desde que comprovada a dependência econômica, observado o disposto no Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999; e
V – representante legal – a pessoa legalmente responsável pela criança ou pelo adolescente órfão em razão do crime de feminicídio, que comprove sua condição por meio de:
a) termo ou certidão judicial emitida pela autoridade judiciária competente pela ação de guarda do órfão em razão do crime de feminicídio;
b) termo de guarda, provisória ou definitiva, emitido pela autoridade judiciária competente;
c) termo de tutela, provisório ou definitivo, emitido pela autoridade judiciária competente; ou
d) certidão de nascimento atualizada da criança ou do adolescente órfão que contenha informações sobre a sua guarda.
§ 2º O direito de que trata o caput é igualmente garantido aos filhos e aos dependentes de mulher transgênero vítima de feminicídio, mediante comprovação de acordo com o disposto neste Decreto.
Art. 2º A pensão especial também será devida a crianças e adolescentes órfãos que estejam sob a tutela do Estado.
Parágrafo único. Na ocorrência da hipótese de que trata o caput, a pensão especial deverá ser depositada em conta bancária destinada a essa finalidade, cuja movimentação somente poderá ocorrer quando a criança ou o adolescente órfão ou dependente:
I – for reintegrado em família ampliada;
II – for colocado em família substituta; ou
III – completar dezoito anos, ressalvada decisão da autoridade judiciária competente que autorize a movimentação.
Art. 3º A pensão especial não gera direito a abono anual e não está sujeita a descontos.
Art. 4º A pensão especial não é acumulável com benefícios previdenciários recebidos do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, nem com pensões ou benefícios do sistema de proteção social dos militares, ressalvado o direito de opção.
CAPÍTULO II
DO REQUERIMENTO E DOS REQUISITOS
Art. 5º Cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS receber e processar os requerimentos e decidir quanto à concessão da pensão de que trata o art. 1º.
Parágrafo único. O requerimento da pensão especial será realizado por meio dos canais de atendimento do INSS.
Art. 6º São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão da pensão especial:
I – a inscrição regular no Cadastro de Pessoa Física – CPF;
II – a apresentação de documento pessoal de identificação oficial com foto da criança ou do adolescente ou, na impossibilidade desse, a certidão de nascimento;
III – a inscrição e a atualização, a cada vinte e quatro meses, contados a partir da data de inclusão ou da última atualização ou revalidação no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, contemplada a informação referente ao CPF do requerente e de todos os membros da família; e
IV – a apresentação de um dos seguintes documentos que relacionem o fato a um feminicídio:
a) o auto de prisão em flagrante;
b) o decreto de prisão preventiva;
c) a portaria inaugural do inquérito policial;
d) o relatório de conclusão do inquérito policial;
e) o oferecimento da denúncia;
f) decisão cautelar ou de mérito que enquadre o fato como feminicídio; ou
g) a sentença penal condenatória transitada em julgado.
§ 1º Na hipótese de a pensão ser devida ao dependente da mulher vítima de feminicídio, deverá ser apresentado, ainda:
I – o termo de guarda, provisória ou definitiva;
II – o termo de tutela, provisória ou definitiva; ou
III – outro documento que comprove a relação de dependência da criança ou do adolescente com a mulher vítima de feminicídio.
§ 2º As equipes das unidades socioassistenciais deverão orientar as famílias da mulher vítima de feminicídio para atualizarem as informações do CadÚnico sobre a nova composição familiar.
Art. 7º Na hipótese de o INSS identificar pendências com relação aos requisitos de que trata o art. 6º, comunicará ao requerente para que regularize a instrução do requerimento.
§ 1º O requerente terá o prazo de noventa dias, contado da data de recebimento da comunicação de que trata o caput, para atender aos requisitos previstos no art. 6º.
§ 2º Esgotado o prazo para o cumprimento dos requisitos sem que os documentos de que trata o art. 6º tenham sido apresentados, o processo será:
I – decidido, no mérito, com base nas informações nele constantes e nos sistemas informatizados do INSS; ou
II – encerrado, sem análise do mérito, após decorrido o prazo de que trata o § 1º.
Art. 8º Para requerer a pensão especial, o representante legal do filho ou do dependente de mulher vítima de feminicídio deverá apresentar ao INSS:
I – documento pessoal de identificação oficial com cadastro biométrico;
II – número de inscrição no CPF;
III – documento que comprove a relação do filho ou do dependente com a mulher vítima de feminicídio, conforme o disposto no art. 6º, caput, inciso II;
IV – documento que comprove a qualidade de representante legal do filho ou do dependente da mulher vítima de feminicídio, conforme o disposto no art. 1º, § 1º, inciso V; e
V – um dos documentos de que trata o art. 6º, caput, inciso IV.
§ 1º O representante legal estrangeiro residente no País que não possuir o documento de que trata o inciso I do caput poderá utilizar a Carteira de Registro Nacional Migratório até que a União conclua o procedimento de validação biométrica em relação aos estrangeiros residentes no País.
§ 2º É vedada a representação dos filhos e dos dependentes pelo autor, coautor ou partícipe do crime, para fins de recebimento e administração da pensão especial.
§ 3º As crianças e os adolescentes em serviço de acolhimento poderão ser representados pelos dirigentes das instituições nas quais se encontrem acolhidos.
CAPÍTULO III
DA CONCESSÃO E DO PAGAMENTO DA PENSÃO ESPECIAL
Art. 9º Na hipótese de haver mais de um filho ou dependente da mulher vítima de feminicídio, a pensão será dividida em partes iguais entre aqueles elegíveis ao benefício.
§ 1º Em caso de cessação do direito de uma das partes, a cota específica da pensão será convertida em favor dos demais beneficiários.
§ 2º A concessão da pensão especial não será postergada pela falta de requerimento por outro possível filho ou dependente, e qualquer habilitação posterior somente produzirá efeito a contar da data do requerimento.
Art. 10. Não serão computados como renda familiar mensal:
I – benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II – valores provenientes de programas assistenciais de transferência de renda, com exceção do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; e
III – rendas de natureza eventual ou sazonal.
Art. 11. Os filhos e os dependentes menores de dezoito anos na data de publicação da Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023, terão direito à pensão especial, sem efeitos financeiros retroativos, ainda que o feminicídio tenha ocorrido em data anterior.
Parágrafo único. O filho ou o dependente com dezoito anos ou mais na data de publicação da Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023, não terá direito à pensão.
Art. 12. O pagamento da pensão especial será devido a partir da data do requerimento.
CAPÍTULO IV
DA REVISÃO DA PENSÃO ESPECIAL
Art. 13. A pensão especial deverá ser revisada a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
§ 1º A revisão de que trata o caput será realizada pelo INSS por meio do cruzamento de informações do beneficiário e de seus familiares existentes em registros e bases de dados oficiais e observará:
I – o cadastramento ou a atualização cadastral no CadÚnico;
II – a manutenção do critério limite de renda familiar mensal per capita, por meio de cruzamento de informações de cadastros de benefícios, de emprego e renda ou de outras bases de dados de órgãos da administração pública disponíveis, referentes à renda do beneficiário e de sua família;
III – a inexistência de sentença transitada em julgado que desqualifique a materialidade do feminicídio, obtida por meio do envio da atualização do processo judicial por parte do representante legal do filho ou do dependente de mulher vítima de feminicídio a cada dois anos; e
IV – o não recebimento de benefícios cuja acumulação com a pensão especial é vedada, ressalvado o direito de opção.
§ 2º Identificada desconformidade de qualquer condição para a sua manutenção, o INSS deverá suspender ou cessar a pensão especial, conforme o caso, observados o contraditório e a ampla defesa.
CAPÍTULO V
DA SUSPENSÃO E DA CESSAÇÃO
Art. 14. O pagamento da cota individual da pensão especial será suspenso quando o beneficiário passe mais de vinte e quatro meses sem:
I – atualizar as informações do grupo familiar no CadÚnico; ou
II – apresentar certidão de andamento processual atualizada referente ao processo judicial de feminicídio, na hipótese de não haver sentença penal condenatória transitada em julgado.
Art. 15. Caberá ao INSS notificar os beneficiários por meio de seus canais oficiais sobre o prazo de noventa dias para atualizar o registro familiar no CadÚnico ou a certidão do processo judicial.
§ 1º Caso não seja possível confirmar que o beneficiário teve ciência da notificação encaminhada, o INSS deverá bloquear o pagamento da pensão por trinta dias com a finalidade de induzir o beneficiário a entrar em contato por meio de seus canais de atendimento para efetivar a notificação.
§ 2º O valor será desbloqueado imediatamente e será concedido o prazo de que trata o § 1º quando o beneficiário entrar em contato com INSS durante o período de bloqueio da pensão.
§ 3º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem que haja manifestação do interessado, o benefício será suspenso.
Art. 16. O pagamento da cota individual da pensão especial cessa:
I – pela morte do filho ou do dependente;
II – quando o filho ou o dependente completar dezoito anos, observado o disposto no art. 2º, parágrafo único, inciso III;
III – quando for identificada a superação do limite de renda familiar mensal per capita durante o período de vinte e quatro meses consecutivos, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa;
IV – pela identificação de irregularidade na concessão ou na manutenção da pensão, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa;
V – quando a sentença transitada em julgado não qualificar o fato como feminicídio;
VI – quando for aplicada medida socioeducativa ao beneficiário, mediante sentença com trânsito em julgado, pela prática de ato infracional análogo ao crime de feminicídio, consumado ou tentado, como autor, coautor ou partícipe, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis, de acordo com o art. 1º, § 5º, da Lei nº 14.717, de 31 de outubro de 2023; e
VII – quando as informações familiares no CadÚnico ou a certidão do processo judicial não sejam atualizadas em até noventa dias após a suspensão de que trata o art. 14.
Parágrafo único. O pagamento da pensão cessará imediatamente após a ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas nos incisos I a VII do caput, e o beneficiário ficará desobrigado de ressarcir os valores recebidos, exceto nos casos em que for comprovada a má-fé.
Art. 17. O beneficiário que tiver sua pensão especial cessada poderá apresentar novo requerimento, respeitada a obrigatoriedade da reavaliação de todos os requisitos de acesso a ela.
CAPÍTULO VI
DO RECURSO
Art. 18. Das decisões proferidas pelo INSS quanto à pensão especial devida aos filhos e aos dependentes de mulheres vítimas de feminicídio caberá recurso ao Conselho de Recursos da Previdência Social, no prazo de trinta dias, a contar da ciência da decisão.
CAPÍTULO VII
DAS COMPETÊNCIAS
Art. 19. Compete ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social, monitorar, orientar e regular o referenciamento e a inclusão dos beneficiários da pensão especial de que trata este Decreto e das suas famílias nos serviços socioassistenciais já ofertados pela Proteção Social Básica e pela da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade.
Art. 20. Compete ao INSS a operacionalização da pensão especial devida aos filhos e aos dependentes de mulheres vítimas de feminicídio.
Art. 21. Compete ao Ministério da Previdência Social e ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome a gestão da pensão especial por meio do monitoramento da concessão e das informações sobre os beneficiários pelo CadÚnico.
Art. 22. Este Decreto entra em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.
Brasília, 29 de setembro de 2025; 204º da Independência e 137º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Osmar Ribeiro de Almeida Junior
Macaé Maria Evaristo dos Santos
Enrique Ricardo Lewandowski
Márcia Helena Carvalho Lopes
Wolney Queiroz Maciel