DECRETO Nº 12.651, DE 7 DE OUTUBRO DE 2025

Regulamenta a Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, que dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, e no art. 45, caput, inciso VIII, da Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, que dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Parágrafo único. As disposições deste Decreto aplicam-se às pesquisas que envolvam seres humanos, de forma individual ou coletiva, incluídas aquelas que utilizem dados pessoais, informações sensíveis ou material biológico, de acordo com o disposto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, e nas demais normas aplicáveis à proteção de dados pessoais.
Art. 2º Além do disposto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, e neste Decreto, a análise ética e a condução de pesquisas com seres humanos deverão observar as disposições constantes dos tratados de direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil.
Parágrafo único. A condução da pesquisa com seres humanos deverá ocorrer com aprovação ética, de forma a garantir a dignidade, a segurança e o bem-estar dos participantes.
CAPÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS
Seção I
Da composição e das competências
Art. 3º O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos segmenta-se em:
I – Instância Nacional de Ética em Pesquisa; e
II – Instância de Análise Ética em Pesquisa, representada pelos Comitês de Ética em Pesquisa – CEPs.
§ 1º O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos compreende, ainda, as normas, as diretrizes e os procedimentos destinados à proteção dos participantes de pesquisa no território nacional, em conformidade com os princípios éticos, legais e científicos aplicáveis.
§ 2º Competem ao Ministério da Saúde a estruturação e a organização do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
Art. 4º O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos deverá adotar medidas com o objetivo de:
I – otimizar e simplificar os processos aplicáveis à pesquisa com seres humanos no País;
II – garantir a observância às boas práticas clínicas e a proteção dos direitos dos participantes de pesquisa;
III – promover a condução ética, segura e eficiente dos ensaios clínicos; e
IV – fortalecer os mecanismos de controle e de governança do ecossistema de pesquisas no território nacional.
Art. 5º Compete ao Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos adotar as medidas que visem preservar a integridade dos processos e dos pareceres de análise ética emitidos.
§ 1º O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos deverá assegurar transparência, proteção de dados e integridade dos registros de pesquisa, com acesso restrito às instâncias autorizadas.
§ 2º As pesquisas com seres humanos registradas na Instância Nacional de Ética em Pesquisa terão seus dados atualizados, de forma periódica, em sítio eletrônico de acesso público, observadas as normas aplicáveis à proteção de dados pessoais e ao sigilo.
Art. 6º As instâncias que compõem o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos poderão instituir câmaras consultivas, de caráter permanente ou temporário, com a finalidade de promover o diálogo entre a regulação ética da pesquisa e os diversos segmentos da sociedade, da comunidade científica, do setor produtivo e das organizações da sociedade civil.
Art. 7º O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos poderá instituir grupos técnicos, de natureza consultiva, com a finalidade de subsidiar os processos de credenciamento, acreditação e supervisão dos CEPs, respeitadas as competências da Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
§ 1º Poderão ser convidados para participar dos grupos técnicos representantes de órgãos e de entidades, públicos e privados, e especialistas com notório saber em ética na pesquisa com seres humanos e em temas a ela correlatos.
§ 2º Os membros dos grupos técnicos poderão ser designados para realização de auditorias presenciais ou remotas, emissão de relatórios, proposição de recomendações e avaliação da conformidade das instituições com os critérios estabelecidos para o funcionamento dos CEPs.
Seção II
Da plataforma de pesquisas com seres humanos
Art. 8º O Ministério da Saúde manterá plataforma de pesquisas com seres humanos, sistema eletrônico integrado de cadastro, protocolo, informação e análise de pesquisas, sob sua governança, com os seguintes objetivos:
I – cadastrar as pesquisas realizadas no território nacional, conforme previsto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024;
II – adotar sistema único para peticionamento, submissão de documentos, avaliação e acompanhamento eletrônico dos processos relacionados a pesquisas com seres humanos;
III – possibilitar a tramitação transparente e prioritária dos processos, respeitadas as competências e a autonomia das instâncias regulatórias e éticas;
IV – facilitar o cadastro e a avaliação dos dados e dos recursos apresentados por patrocinadores, pesquisadores, centros de pesquisa e demais partes interessadas;
V – assegurar o recebimento, o armazenamento e a organização dos dados referentes às pesquisas com seres humanos conduzidas no País;
VI – garantir a proteção das informações confidenciais, dos dados pessoais sensíveis e dos segredos industriais;
VII – manter base de dados pública, atualizada e acessível, sobre as pesquisas com seres humanos realizadas no País, observadas as normas aplicáveis à proteção de dados;
VIII – permitir o cadastro eletrônico de instituições e centros de pesquisa aptos à condução de pesquisas clínicas; e
IX – permitir a comunicação eletrônica segura entre órgãos competentes, patrocinadores, pesquisadores, investigadores e demais partes interessadas.
Art. 9º A plataforma de pesquisas com seres humanos estrutura-se conforme as características das pesquisas com seres humanos, de modo a possibilitar:
I – o cadastro nacional das pesquisas clínicas e dos voluntários participantes de estudos clínicos de fase I, na forma prevista em regulamento;
II – o protocolo dos documentos referentes às pesquisas clínicas regulatórias destinadas ao registro, ao monitoramento ou à alteração pós-registro de medicamentos e dispositivos médicos;
III – o protocolo dos documentos referentes às pesquisas clínicas sem finalidade imediata de regularização sanitária no País; e
IV – o protocolo dos documentos referentes à análise ética das demais pesquisas que envolvam seres humanos.
CAPÍTULO III
DA INSTÂNCIA NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA
Seção I
Das competências
Art. 10. A Instância Nacional de Ética em Pesquisa, instituída no âmbito do Ministério da Saúde, é órgão colegiado de natureza consultiva, deliberativa, normativa, fiscalizadora e educativa, com as seguintes competências:
I – elaborar e editar normas sobre ética em pesquisa;
II – avaliar a efetividade do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos;
III – credenciar e acreditar os CEPs, de forma a garantir que estejam aptos a realizar a análise ética de pesquisas, conforme o grau de risco envolvido;
IV – acompanhar, apoiar e fiscalizar os CEPs quanto à análise dos protocolos de pesquisa e ao cumprimento das normas pertinentes;
V – promover e apoiar a capacitação dos membros dos CEPs, com ênfase nos aspectos éticos e metodológicos;
VI – atuar como instância recursal das decisões proferidas pelos CEPs;
VII – contribuir para uma cultura de responsabilidade ética na pesquisa e no desenvolvimento científico, tecnológico e inovador, de modo a conciliar a proteção dos participantes de pesquisa com a eficiência dos processos, em especial quanto a tecnologias emergentes, e em conformidade com padrões éticos; e
VIII – elaborar e aprovar o seu regimento interno.
§ 1º Compete à área técnica responsável pelo campo da ciência e tecnologia do Ministério da Saúde coordenar a Instância Nacional de Ética em Pesquisa e realizar as atividades da sua secretaria-executiva, sem comprometer a independência técnica, ética e decisória da Instância.
§ 2º Ato da Instância Nacional de Ética em Pesquisa disporá sobre o seu funcionamento e os seus procedimentos deliberativos.
Art. 11. O Ministério da Saúde garantirá os meios necessários ao funcionamento da Instância Nacional de Ética em Pesquisa, inclusive quanto a dotação orçamentária, recursos humanos e infraestrutura tecnológica.
Seção II
Da composição
Art. 12. A Instância Nacional de Ética em Pesquisa será composta por membros titulares designados por ato do Ministro de Estado da Saúde, da seguinte forma:
I – seis representantes indicados pelo Ministério da Saúde, dentre eles, um Coordenador da Instância Nacional de Ética em Pesquisa e um Coordenador substituto;
II – seis representantes indicados pelo Conselho Nacional de Saúde;
III – dois representantes indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação;
IV – um representante indicado pelo Ministério da Educação;
V – um representante indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa;
VI – dois representantes indicados pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa; e
VII – quinze representantes especialistas com notório saber e atuação relevante na área de ética em pesquisa com seres humanos.
§ 1º Cada membro da Instância Nacional de Ética em Pesquisa terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e seus impedimentos.
§ 2º Os membros a que se refere o inciso II do caput serão indicados conforme regulamentação específica do Conselho Nacional de Saúde.
§ 3º O quórum de instalação da Instância Nacional de Ética em Pesquisa é composto, no mínimo, pela maioria absoluta dos indicados de que trata o caput.
§ 4º Os membros de que trata o art. 12, caput, inciso VII, terão mandato de três anos, permitida uma recondução, considerada a avaliação de desempenho, cujas regras serão previstas em regimento interno.
Art. 13. A escolha dos representantes da comunidade científica, de que trata o art. 12, caput, inciso VII, será feita por meio de processo seletivo público, com critérios que prestigiem a representatividade e a promoção da diversidade regional, étnico-racial, de gênero e interdisciplinar.
§ 1º Os representantes da comunidade científica deverão ter formação acadêmica e experiência profissional nas áreas da Medicina, da Farmácia, da Biotecnologia, do Direito, da Bioética ou nas demais áreas das ciências humanas e sociais, da saúde e das outras emergentes para a pesquisa com seres humanos.
§ 2º Será assegurada uma composição interdisciplinar que reflita o conhecimento técnico para a análise das questões éticas em pesquisas com seres humanos.
§ 3º Os especialistas selecionados deverão possuir título de doutorado ou experiência profissional de, no mínimo, dez anos de atuação em comitê de ética em pesquisa com seres humanos ou em análise, condução e elaboração de protocolos de pesquisa que envolvam seres humanos.
§ 4º O edital do processo seletivo público considerará, entre outros requisitos, pontuação adicional para os representantes da comunidade científica que possuírem experiência comprovada nos CEPs.
§ 5º Caso não seja obtido o número mínimo de especialistas requerido no processo seletivo público, diferentes sociedades científicas poderão ser convidadas, por meio de chamamento público ou ofício, a cargo da autoridade responsável pela área de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, a indicar especialistas de notório saber em ética na pesquisa com seres humanos e em temas a ela correlatos para compor a Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
§ 6º O resultado do processo seletivo público dos especialistas será homologado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde do Ministério da Saúde, no prazo de até trinta dias, contado da data de conclusão da seleção, por meio de ato público do Ministério da Saúde.
Art. 14. Os membros indicados para compor a Instância Nacional de Ética em Pesquisa integrarão a comissão responsável pela seleção dos especialistas que atuarão como membros titulares e suplentes da própria Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
Parágrafo único. Competirá à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde o voto de qualidade nas deliberações da comissão de que trata o caput.
Art. 15. O quórum de reunião e de aprovação da Instância Nacional de Ética em Pesquisa é de maioria absoluta.
Parágrafo único. Competirá ao Coordenador da Instância Nacional de Ética em Pesquisa o voto de qualidade em caso de empate sobre as deliberações.
Art. 16. A participação na Instância Nacional de Ética em Pesquisa será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Seção III
Disposições gerais
Art. 17. As resoluções da Instância Nacional de Ética em Pesquisa, inclusive o seu regimento interno, serão publicadas por meio de ato de seu Coordenador, após manifestação favorável da Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde.
Art. 18. O credenciamento é o ato formal, emitido pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa, que autoriza os CEPs a atuarem no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, com competência para realizarem a análise ética de protocolos de pesquisa classificados como de risco baixo ou moderado.
Parágrafo único. O processo de credenciamento será disciplinado pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa, que estabelecerá critérios, requisitos e procedimentos para a concessão, a renovação, a revisão, a suspensão e o cancelamento.
Art. 19. A acreditação consiste no reconhecimento formal de que os CEPs atendem a requisitos previamente definidos pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa e demonstram capacidade técnica e operacional para realizar a análise ética de protocolos de pesquisa classificados como de risco elevado, e podem também analisar pesquisas de risco baixo e moderado.
§ 1º A acreditação será precedida de processo de avaliação, que poderá incluir inspeção presencial ou remota, com vistas à verificação do cumprimento das diretrizes legais, éticas e técnicas aplicáveis.
§ 2º Os pedidos de acreditação serão analisados conforme a ordem cronológica de apresentação dos requerimentos, observado o princípio da impessoalidade.
§ 3º Poderá ser priorizada a análise de pedidos de acreditação em razão de interesse público, emergência sanitária ou estratégias de saúde definidas pelo Ministério da Saúde, devidamente justificada.
§ 4º Os critérios, requisitos e procedimentos para concessão, renovação, revisão, suspensão e cancelamento da acreditação serão estabelecidos pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
Art. 20. A classificação do risco em pesquisas com seres humanos deverá envolver uma análise multidimensional, que considere, entre outros, os riscos e os benefícios à saúde, à segurança, à dignidade e ao bem-estar dos participantes de pesquisa, em equilíbrio com o interesse legítimo de avanço do conhecimento científico.
§ 1º Para fins de classificação do grau de risco, serão considerados, entre outros, os seguintes critérios:
I – a natureza da intervenção ou do procedimento adotado na pesquisa;
II – o grau de invasividade e o potencial de dano ao participante de pesquisa;
III – a população envolvida, com atenção a grupos em situação de vulnerabilidade;
IV – o uso de tecnologias emergentes, dados sensíveis ou inteligência artificial em saúde;
V – o grau de incerteza científica quanto aos efeitos do objeto de estudo;
VI – a existência de benefícios diretos da pesquisa ao participante e à coletividade;
VII – a complexidade do desenho do estudo;
VIII – o estágio de desenvolvimento clínico do produto ou da tecnologia avaliada; e
IX – a pesquisa clínica em caráter multicêntrico ou internacional.
§ 2º A partir da classificação de risco, poderão ser adotados procedimentos simplificados para o protocolo dos documentos, a análise e a autorização das pesquisas clínicas.
§ 3º A tramitação dos protocolos de pesquisa será diferenciada de acordo com a gradação de risco.
CAPÍTULO IV
DA INSTÂNCIA DE ANÁLISE ÉTICA EM PESQUISA
Art. 21. A Instância de Análise Ética em Pesquisa é representada pelos CEPs, que possuem caráter consultivo e deliberativo e têm composição interdisciplinar, com membros das áreas médica, científica e não científica.
Art. 22. Os CEPs atuarão de forma independente e autônoma, assegurada a proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes de pesquisa, observado o disposto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, neste Decreto, e nas normas e nos procedimentos da Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
Art. 23. Compete aos CEPs:
I – observar os princípios da administração pública na avaliação ética dos protocolos de pesquisa que envolvam seres humanos, respeitados os prazos estabelecidos na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, de forma a evitar redundâncias que possam ocasionar morosidade na análise;
II – assegurar a confidencialidade e o controle de acesso a documentos e dados constantes de protocolos e relatórios de pesquisa, em conformidade com o disposto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, e na legislação aplicável;
III – conduzir a análise ética das pesquisas submetidas à sua apreciação; e
IV – monitorar a execução das pesquisas aprovadas pelos CEPs, assegurado o atendimento às diretrizes de proteção da dignidade, da segurança e do bem-estar do participante e do atendimento às boas práticas clínicas estabelecidas no art. 7º da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024.
Art. 24. Os membros dos CEPs terão, no exercício de suas atribuições, plena autonomia e independência em suas manifestações quanto à análise ética das pesquisas.
Art. 25. Os CEPs serão definidos conforme a complexidade das análises éticas que realizam e o grau de risco envolvido nas pesquisas, nas seguintes categorias:
I – CEP credenciado – instância para análise ética das pesquisas de risco baixo e moderado; ou
II – CEP acreditado – instância que, além de ter sido credenciada, tenha sido acreditada para análise ética das pesquisas de risco elevado e para análise das pesquisas de risco baixo e moderado.
CAPÍTULO V
DA ANÁLISE ÉTICA DE PESQUISA
Seção I
Do processo
Art. 26. O processo de análise ética conduzido pelos CEPs deverá observar a classificação de risco, a legislação vigente e considerar, de forma cumulativa, os seguintes princípios legais:
I – a proteção da dignidade, da segurança, da integridade e do bem-estar dos participantes da pesquisa;
II – o estímulo ao desenvolvimento técnico-científico e à inovação responsável;
III – a garantia de independência, transparência e publicidade nos procedimentos e nas decisões;
IV – a isonomia na aplicação dos critérios e procedimentos de análise, conforme a relação risco-benefício, que deverá ser favorável para o participante de pesquisa e para a sociedade;
V – a busca por eficiência, celeridade e qualidade na análise e emissão dos pareceres;
VI – a composição interdisciplinar e plural dos colegiados como elemento qualificador do julgamento ético; e
VII – o controle social, com envolvimento de representantes dos participantes de pesquisa.
Parágrafo único. O integrante de CEP que tenha interesse, de qualquer natureza, na pesquisa ou que mantenha vínculo com o patrocinador ou com os pesquisadores é impedido de participar da deliberação acerca da pesquisa na qual esteja envolvido.
Art. 27. A pesquisa multicêntrica, executada em diferentes centros de pesquisa por mais de um pesquisador, segue protocolo único.
§ 1º Considera-se protocolo único o documento padronizado previsto no art. 2º, caput, inciso XLVI, da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, a ser submetido em um único CEP.
§ 2º A análise ética da pesquisa multicêntrica será realizada por um único CEP, preferencialmente aquele vinculado ao centro coordenador da pesquisa, que emitirá o parecer e notificará sua decisão aos CEPs dos demais centros participantes.
Art. 28. A análise dos pedidos de autorização para a condução de pesquisas clínicas poderá ser realizada por meio de procedimento integrado de avaliação ética e sanitária, conforme estabelecido entre a Instância Nacional de Ética em Pesquisa e a Anvisa, no âmbito de suas competências.
Parágrafo único. O procedimento de avaliação integrada deverá priorizar os estudos que envolvam produtos destinados ao enfrentamento de emergências em saúde pública declaradas por autoridade competente.
Seção II
Da priorização de pesquisas
Art. 29. A pesquisa de interesse estratégico para o Sistema Único de Saúde – SUS terá prioridade na análise ética e contará com procedimentos especiais nas seguintes hipóteses, entre outras definidas em ato específico pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa:
I – pesquisas destinadas ao atendimento de emergência pública de saúde declarada por autoridade sanitária competente; e
II – pesquisas clínicas destinadas à regularização sanitária de medicamentos ou dispositivos médicos, quando:
a) fomentadas, de forma total ou parcial, com recursos públicos provenientes de agências governamentais ou de fundos de incentivo a ciência, tecnologia e inovação;
b) voltadas ao tratamento, à prevenção ou ao diagnóstico de:
1. doenças determinadas socialmente, emergentes ou reemergentes;
2. condições clínicas graves ou debilitantes, sem alternativa terapêutica ou profilática disponível; e
3. doenças raras;
c) voltadas à população pediátrica, sem alternativa terapêutica ou diagnóstica disponível;
d) forem objeto de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local, ou de iniciativas correlatas no âmbito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde;
e) o insumo farmacêutico ativo for fabricado no País;
f) se tratar de novos medicamentos, dispositivos médicos e terapias avançadas com desenvolvimento clínico e produção realizados no País; e
g) se tratar de vacinas de interesse do Programa Nacional de Imunizações.
§ 1º A conclusão da avaliação ética da pesquisa de interesse estratégico para o SUS ou de relevância para o atendimento à emergência pública de saúde deverá ocorrer no prazo máximo de quinze dias, contado da data de recebimento do pedido de autorização.
§ 2º O prazo de que trata o § 1º poderá ser prorrogado em hipóteses devidamente justificadas pela complexidade técnica da matéria ou pela necessidade de complementação documental.
CAPÍTULO VI
DA PROTEÇÃO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA
Art. 30. A Instância Nacional de Ética em Pesquisa regulamentará o plano de acompanhamento e assistência aos participantes de ensaio clínico descontinuado, nos termos do disposto no art. 57, § 1º, da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024.
Art. 31. O patrocinador, após o término do ensaio clínico, deverá garantir aos participantes da pesquisa o fornecimento gratuito do produto sob investigação sempre que este for considerado pelo pesquisador responsável como a melhor alternativa terapêutica para a condição clínica do participante, com base em evidências disponíveis e em avaliação favorável da relação risco-benefício, nos termos do disposto no art. 30 da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024.
§ 1º O programa de acesso pós-estudo deverá ser elaborado pelo patrocinador e submetido à avaliação do CEP competente, e conter a estratégia do fornecimento do produto sob investigação após o encerramento da participação individual.
§ 2º As diretrizes complementares para elaboração, apresentação e análise ética do plano e do programa de fornecimento pós-estudo serão estabelecidas em norma específica da Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
Art. 32. A pesquisa que envolver seres humanos pertencentes a grupos especiais poderá demandar tratamento ético, metodológico ou analítico diferenciado em todas as suas etapas, conforme estabelecido em regulamento da Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
§ 1º Consideram-se grupos especiais, em razão de sua vulnerabilidade ou singularidade de modos de vida, as comunidades humanas cuja dignidade exige proteção diferenciada, dentre os quais:
I – crianças e adolescentes;
II – gestantes e lactantes;
III – povos indígenas, comunidades quilombolas e demais populações tradicionais;
IV – pessoas privadas de liberdade; e
V – pessoas com deficiência que comprometa a capacidade de consentimento.
§ 2º A participação de grupos especiais em pesquisa dependerá da adoção de medidas específicas de proteção, consideradas as condições particulares de vulnerabilidade de cada grupo.
CAPÍTULO VII
DO ARMAZENAMENTO E DA UTILIZAÇÃO DE DADOS E DE MATERIAL BIOLÓGICO HUMANO
Art. 33. O biobanco e o biorrepositório serão regulamentados por norma editada pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa e por outras autoridades competentes.
Art. 34. O material biológico e os dados obtidos na pesquisa serão utilizados exclusivamente para a finalidade prevista no respectivo projeto, exceto se houver autorização expressa no termo de consentimento livre e esclarecido para sua utilização em pesquisas futuras, para fins científicos, observado o disposto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, e nas normas editadas pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
CAPÍTULO VIII
DA ANÁLISE ÉTICA APLICÁVEL ÀS PESQUISAS EM CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Art. 35. A Instância Nacional de Ética em Pesquisa disporá, em norma específica, sobre as particularidades das pesquisas em ciências humanas e sociais, observados:
I – o respeito à autonomia dos participantes, com garantias adequadas de consentimento livre e esclarecido, inclusive em formatos adaptados aos contextos socioculturais; e
II – o reconhecimento das:
a) especificidades metodológicas e epistemológicas, e
b) vulnerabilidades individuais e coletivas envolvidas.
§ 1º A regulamentação deverá observar as diretrizes da ética em pesquisa e assegurar o equilíbrio entre a proteção dos participantes e a viabilidade científica e metodológica dos estudos em ciências humanas e sociais.
§ 2º Na hipótese de pesquisas em ciências humanas e sociais classificadas como de risco baixo, poderá ser adotado procedimento de notificação aos CEPs ou de análise simplificada, conforme norma a ser editada pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
§ 3º A notificação ou a análise simplificada de que trata o § 2º não exime os pesquisadores do cumprimento integral das diretrizes éticas aplicáveis.
§ 4º O processo de pesquisa, a qualquer tempo, poderá ser objeto de avaliação completa pelos CEPs, e poderá resultar em suspensão, cancelamento do estudo ou outras medidas previstas em lei.
CAPÍTULO IX
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 36. As agências de fomento e as fundações de apoio enquadradas na Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, não serão consideradas patrocinadoras para fins do disposto no art. 26 da Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024.
§ 1º As agências de fomento e as fundações de apoio atuam exclusivamente como agentes financiadores ou facilitadores institucionais, sem responsabilidade regulatória ou operacional perante os órgãos competentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput às agências estrangeiras de fomento, na hipótese de atuação no País em parceria com agência nacional de fomento, nos termos do disposto na Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e nas normas aplicáveis à espécie.
Art. 37. Até que seja feita nova avaliação pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa, consideram-se credenciados e acreditados pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa os CEPs já credenciados e acreditados para análise ética em pesquisa com seres humanos.
Art. 38. O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, no prazo de trinta dias, contado da data de publicação deste Decreto, instituirá grupo de trabalho temporário.
§ 1º O grupo de trabalho temporário de que trata o caput:
I – terá a finalidade de subsidiar e apoiar a elaboração de procedimentos complementares e regulamentares relativos ao funcionamento da Instância Nacional de Ética em Pesquisa e à implementação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, nos termos do disposto neste Decreto; e
II – será coordenado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
§ 2º Ato da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde definirá a composição do grupo de trabalho temporário de que trata o caput.
§ 3º O grupo de trabalho temporário de que trata o caput terá duração de até três meses, contado da data de sua instalação, prorrogável por igual período, mediante justificativa, para apresentar:
I – proposta de diretrizes para o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e minutas de atos normativos complementares; e
II – relatório final das atividades desenvolvidas, com justificativas técnicas das proposições apresentadas.
Art. 39. Até que sejam publicadas as normas regulamentadoras sobre ética em pesquisa pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa, permanecem válidas as normas do Conselho Nacional de Saúde que não contrariem o disposto na Lei nº 14.874, de 28 de maio de 2024, e neste Decreto.
Art. 40. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa continuará a atuar como instância recursal até a posse dos membros da Instância Nacional de Ética em Pesquisa.
Art. 41. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 7 de outubro de 2025; 204º da Independência e 137º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Alexandre Rocha Santos Padilha

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