Aplicação da Lei Maria da Penha deve incluir medida protetiva também remuneratória, semelhante ao auxílio-doença
O Supremo Tribunal Federal garantiu às mulheres que tiverem de se afastar do trabalho em razão de episódios de violência doméstica ou familiar o pagamento de salário ou de auxílio assistencial, caso não tenham vínculo trabalhista. Em decisão unânime, o Plenário rejeitou o Recurso Extraordinário (RE) 1520468, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e garantiu a eficácia das medidas protetivas adotadas no âmbito da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) também na esfera econômica. O recurso tem repercussão geral (Tema 1.370), e a tese fixada deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça em casos semelhantes.
O recurso julgado pelo STF foi apresentado pelo INSS contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que considerou válida a determinação da 2ª Vara Criminal de Toledo (PR) que concedeu à funcionária de uma cooperativa o afastamento do trabalho, com manutenção do vínculo trabalhista, com base nas medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.
O INSS argumentava, entre outros pontos, que não é possível estender a proteção previdenciária a situações em que não há incapacidade para o trabalho provocada por alguma lesão. Também sustentava que apenas a Justiça Federal poderia decidir sobre o pagamento de benefícios previdenciários ou assistenciais.
Fonte de renda
A Lei Maria da Penha garante a mulheres beneficiadas por medida protetiva a garantia de emprego por até seis meses, quando for necessário o afastamento do local de trabalho.
Segundo o relator do RE, ministro Flávio Dino, essa medida protetiva configura interrupção do contrato de trabalho. “A manutenção da remuneração, nesse contexto, constitui consequência lógica e garantia da eficácia do afastamento”, afirmou. Dino ressaltou que o afastamento decorrente de violência doméstica e familiar é uma situação alheia à vontade da trabalhadora e que compromete sua integridade física e psicológica, equiparando-se, para fins de proteção previdenciária, a uma situação de incapacidade para o trabalho decorrente de “acidente de qualquer natureza”.
Para as mulheres seguradas do Regime Geral de Previdência Social como empregada, contribuinte individual, facultativa ou segurada especial, caberá ao empregador arcar com os 15 primeiros dias de afastamento do trabalho, e o período subsequente ficará a cargo do INSS. Se não houver empregador, o INSS deve arcar com todo o período, independentemente de carência.
Caso a vítima não seja segurada, o benefício assume caráter assistencial, com base na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Nesse caso, o juízo competente deverá atestar que a mulher não tem outros meios de prover sua subsistência.
Competência
Com relação ao tema, o colegiado entendeu que o juízo criminal estadual tem competência para processar e julgar as causas que envolvam a Lei Maria da Penha, inclusive os pedidos de pagamento de prestação pecuniária em favor da vítima afastada do local de trabalho, ainda que o cumprimento da decisão fique a cargo do INSS e do empregador.
A Justiça Federal será competente nos processos em que a União, autarquias ou empresas públicas federais figurem como autoras, rés, assistentes ou oponentes. No caso em discussão, o INSS, autarquia federal, não foi parte do processo e foi apenas comunicado para cumprir a ordem do Juizado de Violência Doméstica e Familiar.
Também caberá à Justiça Federal processar e julgar ações regressivas (de ressarcimento) contra os responsáveis pela violência contra a mulher, caso o INSS queira recuperar os benefícios pagos.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
1) Compete ao juízo estadual, no exercício da jurisdição criminal, especialmente aquele responsável pela aplicação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), fixar a medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da referida lei, inclusive quanto à requisição de pagamento de prestação pecuniária em favor da vítima afastada do local de trabalho, ainda que o cumprimento material da decisão fique sob o encargo do INSS e do empregador;
2) Nos termos do que dispõe o art. 109, I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as ações regressivas que, com fundamento no art. 120, II, da Lei nº 8.213/1991, deverão ser ajuizadas pela Autarquia Previdenciária Federal contra os responsáveis nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher;
3) A expressão constante da Lei (“vínculo trabalhista”) deve abranger a proteção da mulher visando à manutenção de sua fonte de renda, qualquer que seja ela, da qual tenha que se afastar em face da violência sofrida, conforme apreciação do Poder Judiciário. A prestação pecuniária decorrente da efetivação da medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006 possui natureza previdenciária ou assistencial, conforme o vínculo jurídico da mulher com a seguridade social:
(i) previdenciária, quando a mulher for segurada do Regime Geral de Previdência Social, como empregada, contribuinte individual, facultativa ou segurada especial, hipótese em que a remuneração dos primeiros 15 dias será de responsabilidade do empregador (quando houver), e o período subsequente será custeado pelo INSS, independentemente de cumprimento de período de carência. No caso de inexistência de relação de emprego de segurada do Regime Geral de Previdência Social, o benefício será arcado integralmente pelo INSS;
(ii) assistencial, quando a mulher não for segurada da previdência social, hipótese em que a prestação assume natureza de benefício eventual decorrente de vulnerabilidade temporária, cabendo ao Estado, na forma da Lei nº 8.742/1993 (LOAS), prover a assistência financeira necessária. Nesse caso, o juízo competente deverá atestar que a mulher destinatária da medida de afastamento do local de trabalho não possuirá, em razão de sua implementação, quaisquer meios de prover a própria manutenção.
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/inss-e-empregador-devem-garantir-salario-de-mulheres-afastadas-do-trabalho-por-violencia-domestica-decide-stf/
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