Julgamento com perspectiva de gênero determina indenização a casal por morte de bebê

A Vara Judicial da Comarca de Ivoti condenou o Município e a Associação Congregação de Santa Catarina, entidade responsável pelo Hospital São José, ao pagamento de indenização a um casal pela morte da filha no final da gestação. A decisão do Juiz de Direito Roberto Laux Júnior, nessa segunda-feira (15/12), condenou cada réu a pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 100 mil aos pais — totalizando R$ 200 mil.
De acordo com os autores da ação, a mulher, com 39 semanas de gravidez, procurou atendimento médico sentindo dores e perda de líquido, tendo sido medicada e passado por exame. No dia seguinte, diante da persistência dos sintomas e dores na região da lombar, ela retornou ao hospital e foi liberada após avaliação, segundo o casal. Na madrugada seguinte, ao perceber a ausência de movimentos fetais, buscou novamente atendimento no hospital, onde exame de ecografia confirmou o óbito da filha. A gestante, então, foi encaminhada para cesariana de urgência para retirada do bebê.
No julgamento do processo, o Juiz afirmou que a análise deve ir além da conformidade protocolar, uma vez que a questão jurídica não é se o protocolo foi seguido, mas sim, se o serviço foi prestado de forma segura e adequada, considerando todas as circunstâncias. De acordo com ele, neste caso, a resposta foi negativa. “A omissão em investigar a fundo uma queixa de dor significativa em uma gestante a termo constitui, em si, uma falha no serviço”, pontuou.
O magistrado também abordou o nexo de causalidade no fato, mencionando que, apesar de não poder se afirmar com 100% de certeza que o bebê teria sobrevivido se uma ecografia ou uma cesariana tivessem sido realizadas, a omissão dos réus retirou do nascituro uma chance séria e real de sobreviver. Ele indica que um diagnóstico precoce de descolamento de placenta, por exemplo, que levasse a uma intervenção cirúrgica de urgência, poderia ter salvado aquela vida. “A chance perdida não é uma mera possibilidade remota; era uma probabilidade concreta, que foi anulada pela negligência no atendimento”, ressaltou.
Perspectiva de gênero
Para analisar o caso, o Juiz também utilizou o julgamento com perspectiva de gênero ao ponderar que, historicamente, a dor feminina tem sido subestimada e descredibilizada em ambientes médicos, frequentemente associada a fatores psicológicos, ansiedade ou a uma suposta menor tolerância. “A falha em escutar atentamente e validar a experiência subjetiva de dor da paciente, uma mulher em um estágio avançado de gestação que buscava amparo em um momento de vulnerabilidade, configura não apenas uma deficiência individual no atendimento, mas um reflexo de uma problemática sistêmica que, por vezes, compromete a qualidade e a segurança do cuidado à saúde da mulher”, avaliou.
Indenização
O valor de R$ 200 mil foi fixado, conforme o magistrado, levando-se em conta a gravidade do dano, a condição econômica dos réus, a dupla finalidade da indenização (reparatória e dissuasória) e o grau da falha no serviço prestado. “A quantificação do dano moral em casos de perda de um filho é tarefa das mais árduas para o julgador, pois nenhuma soma em dinheiro pode, de fato, compensar a dor, o luto e o vazio deixados. A indenização tem uma função de conforto, de tentativa de mitigar o sofrimento, e também uma função punitivo-pedagógica, de sinalizar ao ofensor que sua conduta é intolerável e deve ser coibida”, justificou.
Contraponto
A Associação Congregação de Santa Catarina defendeu que todos os protocolos estabelecidos pela prática médica foram seguidos pelos profissionais. Sustentou que a medicina busca dar o melhor tratamento ao paciente, mas não tem poderes de evitar todas as fatalidades que ocorrem com o organismo humano. O Município de Ivoti citou que foram realizados os exames e as averiguações corretas, recomendáveis à gestação naquela fase, não sendo diagnosticada nenhuma alteração.
Em relação aos dois médicos que atenderam a gestante, também réus no processo, o magistrado acolheu a preliminar apresentada que alegou ilegitimidade passiva. “Os médicos que atuam em hospitais privados conveniados ao SUS, prestando serviço público individualmente, são equiparados a agentes públicos para fins de responsabilidade civil, aplicando-se ao caso a tese firmada no Tema 940 do Supremo Tribunal Federal”, detalhou. Desta forma, o processo foi extinto em relação aos profissionais.
Cabe recurso da decisão.
https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/julgamento-com-perspectiva-de-genero-determina-indenizacao-a-casal-por-morte-de-bebe/
TJRS

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