Regulamenta a celebração de acordo de não persecução civil – ANPC em matéria de improbidade administrativa pela Procuradoria-Geral da União ou pela Procuradoria-Geral Federal.
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO SUBSTITUTO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 4º, caput, incisos I, XIII e XVIII, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, tendo em vista o disposto no art. 17-B da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, as decisões do Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 7042 e 7043 e o que consta no Processo Administrativo nº 00405.021941/2019-42, resolve:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Portaria Normativa regulamenta a celebração de acordo de não persecução civil – ANPC em matéria de improbidade administrativa pela Procuradoria-Geral da União ou pela Procuradoria-Geral Federal.
CAPÍTULO II
DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL
Seção I
Das condições para a celebração de ANPC
Art. 2º A Procuradoria-Geral da União e a Procuradoria-Geral Federal poderão celebrar ANPC, previsto no art. 17-B da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, quando presentes indicativos de que a solução consensual se mostre adequada à efetiva tutela do patrimônio público e da probidade administrativa, considerando-se, entre outros fatores previstos em lei, as vantagens da rápida solução do caso para o interesse público.
§ 1º O ANPC poderá:
I – ser celebrado com as pessoas físicas e jurídicas responsáveis pela prática do ato de improbidade; e
II – abranger todos os atos tipificados como ato de improbidade administrativa.
§ 2º O ANPC não poderá:
I – afastar:
a) a responsabilização dos agentes em outras esferas sancionatórias; e
b) os efeitos previstos no art. 1º, caput, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990; e
II – implicar automático reconhecimento de responsabilidade para outros fins que não os estabelecidos expressamente no acordo.
§ 3º Não há direito subjetivo à celebração de ANPC.
§ 4º O disposto nesta Portaria Normativa não se aplica a pessoa jurídica caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública, de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.
Seção II
Das cláusulas obrigatórias do ANPC
Art. 3º O ANPC terá cláusulas que disponham sobre:
I – quando houver dano, seu integral ressarcimento à pessoa jurídica lesada;
II – quando houver obtenção de vantagem indevida, ainda que oriunda de agentes privados, sua reversão à pessoa jurídica lesada;
III – admissão da prática da conduta e compromisso com sua cessação, caso esteja em andamento;
IV – forma e condições de pagamento das obrigações pecuniárias, com previsão de correção monetária e de juros moratórios, nos termos da legislação que regula a matéria;
V – prazo de cumprimento;
VI – incidência de multa em caso de descumprimento de cláusula do acordo;
VII – hipóteses de rescisão do acordo e suas consequências;
VIII – limitação dos efeitos do acordo ao procedimento em que celebrado; e
IX – necessidade de homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa.
§ 1º As obrigações constantes no ANPC deverão ser líquidas, certas e determinadas.
§ 2º O ressarcimento do dano será limitado à participação do agente nos atos ilícitos, ressalvada a possibilidade de o agente voluntariamente se corresponsabilizar por montante superior.
§ 3º O ressarcimento integral do dano não será objeto de negociação, observado o disposto no § 2º.
§ 4º O disposto no § 3º não impede a negociação sobre:
I – a forma, o prazo, os juros até a celebração do acordo e o modo de cumprimento da obrigação de ressarcimento do dano; e
II – o montante do perdimento da vantagem indevida.
Seção III
Das cláusulas facultativas do ANPC
Art. 4º O ANPC poderá:
I – prever a aplicação de uma ou mais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992;
II – contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como outras medidas em favor do interesse público e das boas práticas administrativas;
III – estabelecer o desconto mensal na remuneração do devedor que receba subsídios, vencimentos ou proventos do poder público ou de instituto de previdência; e
IV – exigir do celebrante:
a) prestação de garantia do cumprimento das obrigações assumidas; e
b) colaboração ampla com as investigações, promovendo a identificação de outros agentes, localização de bens e valores e produção de provas, inclusive no exterior.
§ 1º Na hipótese do inciso I do caput, poderão ser previstos:
I – a sujeição ao pagamento de multa civil;
II – a proibição de contratar com o poder público e de receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário;
III – a exoneração a pedido ou o compromisso de não assumir cargo, emprego ou função pública; e
IV – a renúncia ao cargo eletivo que ocupa e o compromisso de não se candidatar a cargos públicos eletivos.
§ 2º As sanções de que tratam os incisos I e II do § 1º poderão ser moduladas até os limites fixados no art. 12, caput, incisos I, II e III, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.
§ 3º As obrigações referidas nos incisos II, III e IV do § 1º deverão ser comunicadas aos órgãos competentes assinalados no acordo para a efetivação das medidas nele previstas.
§ 4º O acordo deverá estabelecer prazo razoável para o cumprimento das obrigações de fazer previstas no § 1º.
§ 5º A garantia prevista no inciso IV, alínea “a”, do caput deverá ser averbada no registro público correspondente, quando se tratar de bem ou direito sujeito a registro.
Seção IV
Dos fatores a serem considerados na celebração de ANPC
Art. 5º Para a celebração de ANPC e a definição de suas obrigações e possíveis sanções, serão consideradas:
I – a natureza e a gravidade da infração cometida;
II – os danos causados à administração pública;
III – a extensão do dano e da vantagem indevida;
IV – a repercussão social do ato de improbidade administrativa;
V – a personalidade do agente, aferida por meio de seus antecedentes;
VI – a atuação do agente para reduzir os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva;
VII – o grau de cooperação do celebrante para a apuração das infrações, quando for o caso;
VIII – a situação econômica do celebrante;
IX – a natureza do cargo, emprego ou função pública do agente envolvido nos atos de improbidade e seus antecedentes funcionais;
X – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, no caso de celebrante pessoa jurídica;
XI – as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso; e
XII – outras circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Seção V
Do procedimento
Art. 6º O ANPC poderá ser celebrado extrajudicialmente, no curso da ação judicial ou no momento do cumprimento de sentença condenatória, por iniciativa de quaisquer das partes.
Parágrafo único. A parte celebrante deverá estar representada por advogado com poderes para transigir.
Art. 7º As tratativas e a celebração de ANPC observarão o seguinte:
I – as reuniões deverão ser registradas e conterão informações sobre a data, o lugar e os participantes, bem como o breve resumo dos assuntos discutidos;
II – o termo de acordo deverá ser subscrito pelo pactuante ou por representante com poderes específicos para firmá-lo, acompanhado de advogado; e
III – identificado outro colegitimado, buscar-se-á, sempre que possível, atuação conjunta mediante trabalho coordenado, de modo a minimizar a possibilidade de ações contraditórias e sobrepostas entre órgãos do Estado.
Art. 8º Para a avaliação da conveniência e oportunidade da celebração do acordo, bem como da dosimetria de eventual sanção a ser negociada, poderão ser:
I – consultadas certidões de distribuição dos domicílios do investigado nos últimos cinco anos, além de outras fontes de informação; e
II – requisitados os autos de processos administrativos em curso em outros órgãos ou entidades da administração pública federal relacionados aos fatos que serão objeto do acordo, nos termos do art. 37, caput, inciso XII, da Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016.
Art. 9º A autorização para celebrar ANPC é atribuição do Procurador-Geral da União e do Procurador-Geral Federal, admitida a delegação.
Art. 10. O ANPC se tornará público após sua celebração, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 1º A proposta e o andamento das negociações poderão ser divulgados com a autorização das partes interessadas.
§ 2º Caso o acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação serão devolvidos sem retenção de cópias ao proponente, vedado seu uso para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública tiver conhecimento desses documentos de forma independente.
Art. 11. Após a assinatura das partes, o ANPC será submetido à homologação judicial.
Art. 12. Após a celebração do ANPC, deverá ser instaurado procedimento específico para o acompanhamento de seu cumprimento pelo órgão celebrante, com o registro de monitoramento dos resultados da atuação proativa.
Seção VI
Do descumprimento
Art. 13. Em caso de descumprimento de cláusula do acordo, o órgão celebrante deverá:
I – aplicar a multa prevista no ANPC; e
II – declarar a rescisão do acordo, se for o caso.
§ 1º Declarada a rescisão do acordo pelo órgão celebrante, compete a ele promover a imediata execução do título.
§ 2º A rescisão do acordo por descumprimento implicará:
I – a perda dos benefícios pactuados e o vencimento antecipado das obrigações em sua totalidade;
II – a incidência da multa prevista no acordo;
III – a previsão de que permanecem válidas as provas fornecidas ou dela derivadas; e
IV – a impossibilidade de celebrar novo acordo pelo prazo de cinco anos, contados da decisão de rescisão.
§ 3º A rescisão do acordo por descumprimento não implicará a invalidação das provas fornecidas pelo agente celebrante ou delas derivadas.
§ 4º A multa por descumprimento do ANPC terá como base de cálculo o valor da multa civil previsto no art. 12 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e será fixada entre:
I – 5% (cinco por cento) e 10% por cento (dez por cento), no caso de descumprimento de cláusula que não acarrete a rescisão do acordo; e
II – 10% por cento (dez por cento) e 20% (vinte por cento), no caso de descumprimento de cláusula que acarrete a rescisão do acordo.
CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 14. O ANPC tem natureza de título executivo, nos termos do art. 515, caput, incisos II e III, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
Art. 15. A Procuradoria-Geral da União e a Procuradoria-Geral Federal poderão disciplinar, nos seus respectivos âmbitos de atuação, procedimentos e competências aplicáveis às tratativas e à celebração de ANPC de que trata esta Portaria Normativa.
Art. 16. Fica revogada a Portaria Normativa AGU nº 18, de 16 de julho de 2021.
Art. 17. Esta Portaria Normativa entra em vigor na data de sua publicação.
FLAVIO JOSÉ ROMAN