A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a concessão da justiça gratuita não isenta automaticamente a parte do dever de prestar caução para obtenção de tutela provisória, salvo se demonstrada a absoluta impossibilidade de oferecê-la. Segundo o colegiado, embora a gratuidade afaste o pagamento de despesas processuais, ela não exclui, por si só, a exigência de caução, que tem por finalidade assegurar o equilíbrio entre as partes e garantir eventual reparação à parte adversa, caso a medida seja revertida.
No caso julgado, uma mulher ajuizou ação para revisar cláusulas do contrato de compra de um imóvel, alegando cobranças abusivas que a levaram a interromper os pagamentos. Além da revisão do contrato, ela requereu a suspensão do leilão do imóvel e a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente, além de indenizações por danos materiais e morais.
O juízo de primeira instância concedeu a tutela para suspender os leilões, mas condicionou a medida à prestação de caução. A autora recorreu, pedindo a dispensa da caução por ser beneficiária da justiça gratuita, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou o pedido. No recurso ao STJ, a compradora sustentou que a caução seria incompatível com o benefício da justiça gratuita.
Afastamento indiscriminado da caução poderia fomentar condutas temerárias
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso, ressaltou que o deferimento da justiça gratuita não implica, de forma automática, a dispensa da caução exigida para concessão de tutela provisória, pois essa medida tem natureza de contracautela e visa resguardar a parte contrária em caso de eventual revogação.
O relator advertiu que o afastamento indiscriminado da caução poderia gerar desequilíbrio no processo e fomentar condutas temerárias. De acordo com o ministro, a exigência da caução deve ser analisada pelo juiz conforme o caso concreto, com base nos princípios do contraditório, da proporcionalidade e da segurança jurídica.
“Nesse contexto, a menor demonstração da plausibilidade do direito alegado pela parte impõe um grau mais elevado de cautela por parte do julgador, a fim de resguardar a parte contrária contra eventuais prejuízos decorrentes da concessão precipitada da medida, justificando-se a imposição de caução mais gravosa, especialmente quando houver dúvida relevante acerca do direito invocado”, disse.
Incoerência na conduta da autora
Ao examinar as particularidades do caso em análise, o ministro ressaltou que a exigência de caução foi plenamente justificada diante da postura contraditória da parte autora, a qual, poucos dias antes do ajuizamento da ação, apresentou propostas que demonstram sua capacidade financeira, como a sugestão de pagamento em 18 parcelas de R$ 4.000,00 e uma oferta à vista no valor de R$ 400 mil.
Para Marco Buzzi, é evidente a incoerência da conduta da recorrente, que, ao mesmo tempo em que alega impossibilidade de prestar caução, revela possuir recursos suficientes para tanto. A seu ver, o comportamento contraditório se intensifica diante da viabilidade de refinanciamento da dívida, circunstância que afasta a alegação de hipossuficiência econômica.
“A permanência no imóvel desde 2015, sem qualquer pagamento, e ausente demonstração de interesse em cumprir, ainda que parcialmente, as obrigações contratuais, caracteriza inadimplemento injustificado e afronta os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da vedação ao enriquecimento ilícito”, concluiu ao negar provimento ao recurso.
Processo: REsp 1837156.
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