A conduta preconceituosa contra religião de matriz africana praticada por parte de empresa que presta serviços públicos de limpeza urbana no Distrito Federal (DF) foi analisada em julgamento na Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) no dia 23/7. Por unanimidade, o colegiado reconheceu que a empresa Valor Ambiental foi responsável por ato de racismo religioso e pela dispensa discriminatória de um trabalhador, adepto da religião Umbanda.
O caso envolveu um varredor de rua, que relatou, na ação trabalhista, ter sido vítima de comentários preconceituosos e ofensivos no ambiente de trabalho, em razão da religião. Em defesa, a empresa alegou que a demissão ocorreu por baixa performance do empregado, em meio a um processo de reestruturação interna. No entanto, provas documentais e testemunhais demonstraram que o trabalhador foi alvo de racismo religioso e que a dispensa ocorreu pouco tempo depois de ter denunciado o tratamento preconceituoso aos superiores hierárquicos da empresa.
Em sentença de 1º Grau, o juiz Acelio Ricardo Vales Leite, da 9ª Vara do Trabalho de Brasília considerou que, apesar das queixas apresentadas pelo empregado, nenhuma providência foi tomada pela empresa para coibir a prática discriminatória. A partir dessa decisão, ambas as partes recorreram ao TRT-10. A empresa Valor Ambiental pretendia reverter a condenação inicial, enquanto o trabalhador pediu aumento da reparação moral definida em 1ª instância.
No Regional, o relator do processo, desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, destacou que “para compreender o racismo religioso é imprescindível falarmos sobre o racismo no Brasil.”. Em voto, o magistrado citou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva para registrar que a “expansão colonial europeia (…) trouxe consigo o racismo (…), um processo sistemático de negação de humanidade daquela pessoa a quem (…) era classificada como – o outro, com o objetivo de explorá-lo e dominá-lo.”
De acordo com o relator, com a colonização foram difundidas distinções entre “pessoas civilizadas e selvagens”, tendo como padrão o “homem europeu”. Aos poucos, essas ideias justificariam teses de inferioridade de pessoas negras bem como de toda cultura afrodescendente.
Para o magistrado, “A invisibilização da população negra no Brasil foi e segue sendo um projeto estruturado pelo racismo”. Não houve apenas a tentativa de branquear a população no período pós-colonial, com o fomento da imigração europeia, “mas também houve a criminalização da cultura afro”, salientou em voto.
Com esses fundamentos o relator destacou que a omissão do empregador diante de atos de racismo religioso configura violação à dignidade do trabalhador e impõe a responsabilização civil da empresa. Segundo o magistrado, a violência verbal praticada por superior hierárquico não se limitou à uma simples ofensa. “É nesse contexto de racismo estrutural e de apagamento da cultura e das tradições negras, que devemos olhar de perto o caso em tela. A violência verbal também é violência e, para além de um simples xingamento, o reclamante, seguidor da Umbanda, sofreu racismo religioso por não professar religiões eurocêntricas advindas do cristianismo.”, ressaltou.
Em relação ao pedido do trabalhador, o desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran concordou com o aumento da indenização por danos morais e elevou o valor da reparação para R$ 15 mil. Além disso, a empresa foi condenada a pagar indenização correspondente a seis salários do trabalhador, em dobro, considerando o período entre a abertura da ação e a sentença de primeiro grau. O colegiado ainda manteve decisão que reconheceu o direito do trabalhador ao adicional de insalubridade em grau máximo (40%), devido às condições insalubres nas quais ele exercia suas atividades.
Processo nº 0000687-09.2024.5.10.0009.
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