Dispõe sobre as diretrizes para a formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas voltadas à prevenção, proteção e ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, e dá outras providências.
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE – CONANDA, órgão colegiado de caráter deliberativo, elaborador de normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, no exercício das atribuições previstas pela Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, no Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018, e na Resolução nº 217, de 26 de dezembro de 2018, a qual aprova o seu Regimento Interno, e
Considerando a necessidade de fortalecimento das ações integradas de prevenção, proteção e enfrentamento nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. resolve:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Resolução estabelece diretrizes para a formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas voltadas à prevenção, proteção e ao enfrentamento da violência sexual praticada contra crianças e adolescentes, inclusive aquelas perpetradas em ambientes digitais, reconhecendo as especificidades decorrentes de marcadores sociais como raça, etnia, gênero, orientação sexual, deficiência e território.
Art. 2º Para os fins desta Resolução, adota-se a definição de violência sexual prevista no art. 4º da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, ampliada para incluir as condutas perpetradas em ambientes digitais, em consonância com a Comentário Geral nº 25 (2021) do Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, diante da atualidade, complexidade e gravidade dessas formas de violência.
Parágrafo único. Consideram-se formas de violência sexual:
I- o abuso sexual;
II- a exploração sexual comercial;
III- o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual;
IV- as condutas praticadas em ambientes digitais que violem a dignidade sexual de crianças e adolescentes, por meio do uso de tecnologias da informação e comunicação.
§ 1º Entre as condutas referidas no inciso IV, incluem-se, exemplificativamente: o aliciamento; a produção, disseminação, armazenamento ou consumo de pornografia infantil; a utilização de tecnologias de manipulação de imagens (deepfake) para fins sexuais; a extorsão sexual (sextorsão); o assédio online; o compartilhamento de imagens, vídeos ou quaisquer registros que contenham cenas de estupro, estupro de vulnerável ou apologia a tais crimes; e a divulgação de registros íntimos ou pornográficos envolvendo crianças ou adolescentes.
§ 2º As condutas descritas no inciso IV configuram formas contemporâneas e agravadas de violência sexual, exigindo prevenção, proteção e enfrentamento específicos, mediante ações integradas de proteção, responsabilização, educação digital e cooperação com provedores de serviços e plataformas digitais, em conformidade com a legislação vigente e os tratados internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente.
CAPÍTULO II
DA CONCEPÇÃO E ESTRUTURA
Art. 3º A Política Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes – PNEVSCA e o Plano Decenal Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes PDNEVSCA – integram o conjunto composto pela Política Nacional e pelo Plano Decenal de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Art. 4º A PNEVSCA e o PDNEVSCA devem ser concebidos no contexto de uma política mais ampla de enfrentamento a todas as formas de violência praticadas contra crianças e adolescentes, garantindo-se, entretanto, a definição de estratégias específicas para o enfrentamento de cada forma de violência.
Art. 5º A elaboração da PNEVSCA deverá considerar os seguintes elementos fundamentais:
I – análise situacional que contemple os antecedentes históricos, balanço das políticas e planos anteriormente implementados, bem como os desafios a serem enfrentados com base em dados estatísticos, evidências científicas e estudos qualitativos relacionados à violência sexual;
II – marco analítico conceitual e dos fatores de mudança;
III – princípios e garantias aplicáveis às crianças e adolescentes em situação de violência, considerando a legislação nacional e os compromissos internacionais assumidos pelo país; IV – objetivos gerais;
V – estruturação que considere a amplitude da violência sexual e as formas pelas quais se manifesta, os processos de desenvolvimento da autonomia progressiva da criança e do adolescente e uma perspectiva interseccional;
VI – diretrizes gerais;
VII – definição das prioridades;
VIII – estratégias de implementação;
IX – estratégias de articulação intersetorial e interfederativa, com ênfase na coordenação entre os sistemas de Saúde, Educação, Assistência Social, Sistema de Justiça e Segurança Pública, para resposta articulada nos casos de violência sexual, especialmente os de natureza intrafamiliar;
X – fontes e mecanismos de financiamento;
XI – mecanismos de monitoramento e avaliação;
XII – estratégias de divulgação, participação social e mobilização social;
XIII – referências normativas e técnicas.
Art. 6º O PDNEVSCA deverá conter os seguintes elementos:
I – contextualização, com antecedentes e desafios;
II – objetivos estratégicos;
III – ações e atividades programáticas;
IV – metas quantitativas e qualitativas;
V – indicadores de resultados e impactos;
VI – definição de metas prioritárias;
VII – matriz de responsabilidades compartilhadas;
VIII – mecanismos de avaliação contínua da eficácia das políticas, considerando os recortes de raça, gênero, território e deficiência.
Art. 7º A prevenção deverá ser considerada um eixo transversal e intersetorial, orientada por uma abordagem interseccional, devendo estar presente em todas as fases.
CAPÍTULO III
DOS PRINCÍPIOS E GARANTIAS
Art. 8º A PNEVSCA e PDNEVSCA observarão os seguintes princípios e garantias, nos seguintes termos:
I – Relativos à cidadania infantojuvenil:
a) reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, com direito à proteção integral da vida, ao reconhecimento de sua autonomia progressiva, à dignidade e direitos humanos e fundamentais;
b) consideração prioritária do melhor interesse da criança e adolescente em todas as decisões que lhes digam respeito;
c) direito de serem escutados de forma respeitosa e não revitimizante;
d) consideração de crianças e adolescentes como prioridade absoluta nas políticas e ações públicas;
e) direito à proteção integral diante de qualquer ameaça ou violação de direitos;
f) direito à informação e à educação sexual abrangente que possibilite a identificação, prevenção e notificação de violências, e que promova o desenvolvimento de crianças e adolescentes como sujeitos capazes de construir relações sociais mais saudáveis, equânimes e livres de violência de gênero e de opressões de qualquer natureza, incluindo as baseadas em raça, etnia, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, crença religiosa, classe social e outras formas de discriminação;
g) direito de acesso à interrupção legal da gestação para vítimas de violência sexual, com acolhimento digno com abordagem de direitos humanos, baseado em evidências técnicas e científicas, sem atrasos, e sem constrangimento ou imposição de exigências indevidas, conforme a legislação vigente;
h) direito de não ser submetida a gravidezes forçadas na infância e adolescência, especialmente diante dos dados alarmantes de partos entre crianças e adolescentes decorrentes de estupro de vulnerável, bem como dos riscos à saúde, à vida e à cidadania associados a essa condição;
i) respeito às diversidades sociais, com dever dos serviços públicos de oferecer atendimento adequado à identidade social da criança e do adolescente, observando-se gênero, orientação sexual, raça, pertencimento étnico ou cultural, religião, deficiência, idade, condição de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, território, em situação de rua, imigrantes, refugiados e apátrida e demais particularidades;
j) participação social e política das crianças e adolescentes e o desenvolvimento do protagonismo e a participação cidadã.
II – Relativos às intervenções:
a) prioridade absoluta de crianças e adolescentes no acesso à proteção, aos serviços públicos e na destinação de recursos;
b) direito a políticas públicas fundamentadas na legislação vigente, em evidências técnicas e científicas e nos padrões de direitos humanos, promovendo a proteção integral e superando visões que reduzem crianças e adolescentes a objetos ou identidades fixas;
c) direito à intervenção precoce, mínima e urgente pelas autoridades competentes;
d) direito ao tratamento digno, integral e adequado;
e) direito à informação compatível aos processos de desenvolvimento da autonomia progressiva da criança e do adolescente;
f) direito à participação em todas as decisões que lhes digam respeito, respeitando sua autonomia progressiva, de acordo com sua idade e grau de maturidade;
g) direito à escuta especializada e depoimento especial, à livre manifestação ou ao silêncio; h) direito à proteção contra revitimização e violência institucional, com prioridade e celeridade processual;
i) respeito à dignidade individual, à privacidade, à integridade física, psíquica e moral; j) direito à confidencialidade das declarações prestadas, ao sigilo, sendo vedado seu repasse indevido sem prévia anuência da criança ou adolescente e de seu responsável legal;
k) direito à assistência jurídica, social e psicológica qualificada que promova a participação segura;
l) direito de acesso integral a todos os serviços disponíveis para o enfrentamento dos impactos físicos, psicológicos e sociais decorrentes da violência sexual, incluindo acompanhamento psicológico, profilaxia de emergência, prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), acesso à anticoncepção de emergência e à interrupção legal da gestação.
III – Relativos ao atendimento inclusivo:
a) direito de manifestar preferência quanto ao gênero dos profissionais que realizam o atendimento;
b) direito de ser assistido por profissionais qualificados e de conhecer a equipe responsável pela escuta especializada ou depoimento especial que leve em conta e, quando necessário, provenha acomodações a especificidades regionais, culturais, étnicas e individuais;
c) direito de ser ouvido em horário adequado e conveniente;
d) direito de prestar declarações em formatos adaptados à condição da criança ou do adolescente com deficiência ou que não fale o idioma português, com presença de intérpretes de confiança, no caso de crianças e adolescentes que se comuniquem por línguas de sinais, pertençam a povos ou comunidades tradicionais ou migrantes, ou falem outros idiomas;
e) direito de receber informações sobre seus direitos em linguagem compreensível e adequada ao seu estágio de desenvolvimento e maturidade;
f) direito de acesso aos Serviços de Saúde, Educação, Justiça e Assistência Social que disponham de equipamentos de acessibilidade, tecnologias assistivas, instalações adaptadas e profissionais capacitados para atender às especificidades de crianças e adolescentes com deficiências motoras, físicas, visuais, auditivas, intelectuais, psicossociais e outras modalidades, assegurando adaptações nos protocolos de escuta e atendimento que respeitem suas necessidades de acessibilidade.
CAPÍTULO IV
DOS OBJETIVOS
Art. 9º A PNEVSCA tem por finalidade articular, coordenar e implementar políticas públicas setoriais e intersetoriais, programas e serviços que assegurem a proteção integral de crianças e adolescentes, com foco na prevenção, proteção e enfrentamento da violência sexual e no aperfeiçoamento das respostas institucionais.
CAPÍTULO V
DAS DIRETRIZES GERAIS
Art. 10. As diretrizes gerais da PNEVSCA deverão orientar a atuação dos entes federativos na formulação e execução de suas políticas públicas, observando-se, entre outras, as seguintes:
I – garantia que crianças e adolescentes tenham prioridade absoluta na efetivação de seus direitos, por meio de mecanismos de proteção, promoção e defesa, assegurando seu desenvolvimento integral;
II – promoção da dignidade da pessoa humana, da equidade e da não discriminação, são pilares fundamentais para garantir o pleno desenvolvimento e a proteção integral de crianças e adolescentes;
III – enfrentamento de todas as formas de violência sexual e suas consequências, incluindo as uniões de fato e as gravidezes forçadas na infância e adolescência;
IV – abordagem interseccional, como eixo orientador da política, reconhecendo a violência sexual como um fenômeno complexo, agravado por múltiplas desigualdades, de gênero, raça, etnia, classe social, religião, deficiência, orientação sexual e identidade de gênero, cujas combinações geram riscos específicos e aumentam a vulnerabilidade e a desproteção de crianças e adolescentes, impactando de forma desproporcional;
V – atuação intersetorial e interinstitucional articulada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, fundamentada nos princípios constitucionais de cooperação, solidariedade e corresponsabilidade entre os entes federativos;
VI – fortalecimento dos Conselhos Tutelares e das capacidades dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (nos âmbitos nacional, estadual, distrital e municipal) na elaboração, controle e monitoramento de planos, ações e programas de prevenção, proteção e enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes;
VII – estabelecimento e fomento de estratégias e mecanismos que assegurem a participação organizada e informada à livre expressão de crianças e adolescentes em assuntos que lhes digam respeito, garantindo sua autonomia e não revitimização;
VIII – estabelecimento de políticas preventivas de violações de direitos, centradas na ampliação da cobertura de políticas sociais básicas e na articulação com as medidas de proteção especial, voltadas à prevenção das diversas formas de violência sexual;
IX – qualificação permanente dos profissionais da educação, das instituições de ensino públicas e privadas, para o reconhecimento de sinais de violência, acolhimento adequado, a realização de escuta especializada e a articulação eficaz com as demais instituições do SGDCA, em conformidade com os fluxos estabelecidos;
X – garantia que todas as instituições de ensino públicas e privadas ofereçam às crianças e adolescentes informações adequadas a sua etapa de desenvolvimento cognitivo e emocional, sobre direitos sexuais e reprodutivos, bem como sobre igualdade de gênero, raça, classe e etnia, para que reconheçam riscos e situações de violência, busquem ajuda e atuem como agentes na promoção de relações sociais justas e livres de violência;
XI – qualificação permanente dos demais profissionais do SGDCA mediante política nacional de formação continuada específica para a prevenção, proteção e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, de forma intersetorial;
XII – promoção de políticas públicas voltadas à redução da pobreza e superação das iniquidades que afetam o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e suas famílias, por meio de ações articuladas entre o poder público e a sociedade civil, com foco na justiça social, de gênero e reprodutiva;
XIII – promoção da equidade de gênero e raça/etnia, mediante ações transversais nas políticas de inclusão social e produtiva, e campanhas para superação da violência de gênero e enfrentamento do racismo estrutural;
XIV – enfrentamento do capacitismo, garantindo que crianças e adolescentes com deficiência tenham acesso pleno aos seus direitos sexuais e reprodutivos, bem como aos serviços de atendimento às vítimas de violência sexual, com a devida consideração às suas especificidades, assegurando os direitos à expressão, à participação e à educação sexual, e promovendo a qualificação de profissionais, assim como a implementação de adaptações que assegurem a acessibilidade e a efetividade do atendimento;
XV – estabelecimento de políticas que reconheçam as especificidades da violência sexual sofridas por crianças e adolescentes indígenas, quilombolas, ribeirinhas ou pertencentes a outras comunidades tradicionais, considerando sua estreita relação com o direito ao território e com os processos estruturais de opressão, e que promovam o diálogo participativo para a construção de estratégias eficazes de proteção, bem como para assegurar o pleno acesso a direitos, em respeito à sua cosmovisão, aos serviços de saúde sexual e reprodutiva;
XVI – ampliação do acesso a políticas públicas de qualidade que garantam os direitos humanos de crianças, adolescentes e suas famílias, assegurando a superação das desigualdades, a afirmação da diversidade, a promoção da equidade e do acesso aos direitos sociais;
XVII – acolhimento a crianças e adolescentes, reconhecendo a centralidade da família no cuidado, desenvolvimento e proteção, é imprescindível também reconhecer que grande parte das violências sexuais ocorre no âmbito familiar ou é praticada por pessoas próximas à família, o que reforça a necessidade de fortalecer a atuação do poder público como agente garantidor de direitos, nos termos do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente;
XVIII – orientação contínua das famílias para a adoção de medidas protetivas, identificação de sinais de violência sexual, quais os canais de denúncias, notificações para instituições que compõem a do SGDCA, promovendo a prevenção e o fortalecimento de vínculos seguros;
XIX – garantia de acesso à interrupção legal da gestação nos casos previstos em lei, bem como à profilaxia pós exposição de risco (PEP) e cuidados psicoemocionais, especialmente em decorrência de violência sexual, com acolhimento adequado, orientação sobre os direitos da vítima e encaminhamento para os serviços especializados de saúde;
XX – garantia de proteção especial a crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados ou violados, considerando a deficiência, gênero, orientação sexual, pertencimento cultural, étnico-racial, religioso, geracional, territorial, nacionalidade e opção política, com ênfase na qualificação da atuação de todas as organizações públicas e privadas que compõem o Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes – SGDCA;
XXI – formação continuada de conselheiras e conselheiros tutelares deve estar pautada nos marcos dos direitos humanos e nas normativas de proteção contra a violência sexual, visando promover uma atuação ética, acolhedora, humanizada e atenta às questões raciais, centrada na garantia do direito à proteção integral de crianças e adolescentes;
XXII – consolidação e reestruturação dos mecanismos de governança do SGDCA proteção e cuidado de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, em todos os níveis federativos;
XXIII – ampliação e qualificação do acesso ao sistema de justiça, por meio de um atendimento humanizado e que não cause revitimização, com o aprimoramento dos serviços jurisdicionais, visando superar a morosidade, a baixa resolutividade e a ineficiência na resposta às violências contra crianças e adolescentes;
XXIV – ampliação e qualificação do atendimento em saúde a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, por meio da formação de profissionais da atenção primária para identificar casos, prestar atendimento imediato e adequado, realizar os devidos encaminhamentos e fornecer orientações fundamentadas no direito à informação sobre direitos e serviços disponíveis, incluindo aqueles relacionados à saúde sexual e reprodutiva, considerando que a vítima pode ser identificada em qualquer atendimento e que a violência sexual pode se manifestar de diversas formas;
XXV – promoção de pesquisas, campanhas de conscientização e qualificação do SGDCA, sobre violência sexual contra crianças e adolescentes nos meios digitais, abordando práticas como sextorsão, aliciamento (grooming), assédio virtual, pornografia com uso de inteligência artificial (deepfake) e uso indevido de identidade digital para a prática de crimes dessa natureza, entre outras;
XXVI – aprimoramento da gestão da política de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, fundamentado nos princípios da indivisibilidade dos direitos, descentralização, intersetorialidade, participação, continuidade e corresponsabilidade dos entes federativos;
XXVII – garantia de efetivação da prioridade absoluta na alocação orçamentária das três esferas de governo, com a vedação de cortes orçamentários destinados a ações de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente com foco na prevenção, proteção e enfrentamento da violência sexual;
XXVIII – elaboração e aperfeiçoamento de metodologias e mecanismos para monitoramento e a avaliação da PNEVSCA e do PDNEVSCA;
XXIX – produção e sistematização de conhecimentos sobre violações de direitos, com foco territorial e municipal, visando subsidiar a formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, com padronização de registros e dados estatísticos em banco de dados nacional, que contemplem análises segmentadas por gênero, raça, etnia, classe social, religião, deficiência, orientação sexual e território.
CAPÍTULO VI
DA DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES
Art. 11. A definição das prioridades da PNEVSCA e do PDNEVSCA deverá considerar:
I – a dimensão e a abrangência dos fenômenos sociais e problemas estruturais relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes;
II – o potencial preventivo das ações e políticas públicas, inclusive com adoção de estratégias voltadas à mudança de normas sociais e de comportamento que naturalizam as violências;
III – os níveis de vulnerabilidade social, individual, institucional e comunitária dos públicos atendidos, reconhecendo a violência sexual como um fenômeno agravado por múltiplas desigualdades de gênero, raça, etnia, classe social, religião, deficiência e orientação sexual;
IV – a gravidade das violações de direitos e suas consequências para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
CAPÍTULO VII
DAS ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO
Art. 12. O PDNEVSCA, instrumento de concretização da PNEVSCA, deverá estabelecer os objetivos estratégicos, as metas e as ações correspondentes para cada uma das prioridades definidas, em consonância com as diretrizes estabelecidas por esta Resolução.
Art. 13. A implementação da PNEVSCA e do PDNEVSCA observarão as seguintes estratégias:
I – criação e/ou fortalecimento de mecanismos de articulação e coordenação intersetorial e interinstitucional da PNEVSCA e do PDNEVSCA, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal;
II – estabelecimento de procedimentos protocolares e parâmetros mínimos para a estruturação e execução de programas, projetos e serviços voltados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual;
III – desenvolvimento de metodologias específicas para atender crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais, considerando suas características socioculturais e respeitando suas formas tradicionais de organização comunitária;
IV – estruturação do processo de planificação da PNEVSCA, com elaboração de Planos Decenais nos três níveis da federação, organizados em planos de metas compatíveis com os ciclos orçamentários de cada instância federal;
V – repactuação entre os entes federativos quanto às responsabilidades de gestão, incluindo a formalização de acordos para a realização de ações nacionais e extraterritoriais de investigação, prevenção e responsabilização de crimes sexuais;
VI – adoção e implementação de um plano de formação continuada de prevenção, proteção e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes que privilegia a estruturação de mecanismos permanentes de formação em cada instância federada;
VII – garantia de participação qualificada da sociedade civil que atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, reconhecendo-a como agente multiplicador das ações e estratégias do plano;
VIII – instituição e fortalecimento dos comitês de gestão colegiada do SGDCA de crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com a finalidade de articular, mobilizar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede intersetorial, além de colaborar para a definição dos fluxos de atendimento e o aprimoramento da integração do referido comitê.
Art. 14. As estratégias previstas neste Capítulo deverão estar alinhadas com aquelas definidas na PNEVSCA e no Plano Decenal de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.
CAPÍTULO VIII
DOS MECANISMOS DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Art. 15. A implementação da PNEVSCA e do PDNEVSCA requer o estabelecimento de mecanismos adequados de monitoramento e avaliação, providos de equipe técnica especializada e recursos financeiros suficientes, com vistas a:
I – possibilitar a correção de rumos e aprimoramento contínuo das ações;
II – qualificar o exercício do controle social; e
III – assegurar a transparência e a comunicação com a sociedade.
Parágrafo único. O monitoramento e avaliação deverão contemplar indicadores específicos sobre a situação de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais, assegurando a produção de dados desagregados por origem étnico-racial e territorial, conforme previsto na Resolução do Conanda nº 254, de 10 de outubro de 2024.
Art. 16. Para o cumprimento do disposto no artigo anterior, deverão ser adotadas, entre outras, as seguintes estratégias:
I – aprimoramento dos canais de notificação e registro de situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, garantindo acessibilidade;
II – aprimoramento do sistema de informação e da prestação de contas no âmbito do Planejamento Plurianual (PPA);
III – expansão e fortalecimento do uso do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA);
IV – análise de viabilidade para o estabelecimento do Sistema Unificado de Informações para a Infância e Adolescência, a partir da interoperatividade de sistemas existentes SIPIA- CT/SINASE/PPCAAM, SINAN;
V – criação de indicadores específicos por território, gênero, raça, deficiência, com Dashboard público com dados anonimizados para controle social, com protocolos de segurança de dados das vítimas;
VI – apoio técnico e financeiro à criação e consolidação de mecanismos análogos nos âmbitos estadual, distrital e municipal;
VII – estabelecimento, em âmbito nacional, de responsabilidade compartilhada entre a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) para a coordenação das ações de monitoramento e avaliação.
CAPÍTULO IX
DO FINANCIAMENTO E DA INSERÇÃO DAS AÇÕES DA POLÍTICA NACIONAL E DO PLANO DECENAL NO ORÇAMENTO CRIANÇA E ADOLESCENTE
Art. 17. A efetivação da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, deve ser assegurada mediante o incremento progressivo de financiamento das ações previstas na PNEVSCA e no PDNEVSCA, por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1º O financiamento das ações de que trata o caput deverá observar os montantes previstos nos respectivos instrumentos de planejamento orçamentário da PNEVSCA e do PDNEVSCA.
§ 2º A composição dos recursos financeiros destinados à execução da PNEVSCA e do PDNESVCA deve ser proveniente das seguintes fontes:
I – recursos orçamentários consignados nos instrumentos legais de planejamento (Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei Orçamentária Anual – LOA);
II – recursos provenientes dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, em todas as esferas federativas;
III – transferências, convênios e subsídios firmados entre os entes federativos;
IV – recursos oriundos de parcerias público-privadas;
V – recursos provenientes da cooperação internacional com organismos multilaterais;
VI – doações e empréstimos captados junto a instituições financeiras nacionais, estaduais e internacionais.
§ 3º Adoção de estratégias para garantia da aplicação dos recursos vinculados ao financiamento das ações da PNEVSCA e do PDNEVSCA.
CAPÍTULO X
DA DIVULGAÇÃO DA PNESVCA E DO PDNESVCA
Art. 18. A PNEVSCA e o PDNEVSCA deverão contemplar estratégias específicas de divulgação, dotadas de recursos orçamentários próprios, a fim de garantir ampla disseminação de suas diretrizes, objetivos e ações.
§ 1º As estratégias de divulgação deverão assegurar o acesso à informação de forma simplificada, acessível e adequada a diferentes públicos, com destaque para:
I – elaboração de sumários executivos destinados a gestores públicos, profissionais do SGDCA e sociedade civil, os Conselhos Tutelares e demais organizações que compõem o SGDCA, bem como de cartilhas ou guias para facilitação de formações técnicas baseadas na PNEVSCA e no PDNEVSCA;
II – produção de versões amigáveis do conteúdo da PNEVSCA e do PDNEVSCA, incluindo no formato de vídeos e curtas com linguagem acessível e inclusiva, destinadas a crianças e adolescentes, respeitando-se a diversidade étnico-racial, sociocultural, territorial e os diferentes estágios de desenvolvimento;
III – disponibilização dos materiais em formatos acessíveis, nos espaços da rede escolar, redes, fóruns e conselhos de direitos e tutelares, serviços públicos e nas plataformas digitais institucionais, priorizando a disseminação em territórios, comunidades tradicionais e historicamente vulnerabilizadas.
CAPÍTULO XI
DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E MONITORAMENTO DA PNEVSCA E DO PDNEVSCA
Art. 19. A formulação da PNEVSCA e do PDNEVSCA deverá ocorrer com ampla participação social, sendo referendada em plenárias, conferências ou congressos nacionais de direitos da criança e do adolescente.
Art. 20. Após a elaboração, a PNEVSCA e o PDNEVSCA deverão ser submetidos a processo de consulta pública pelo prazo mínimo de 40 (quarenta) dias, com ampla divulgação em meios oficiais e canais acessíveis à população.
§ 1º A participação de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais deverá ser assegurada por meio de estratégias adaptadas de consulta livre, prévia e informada, observando o disposto nas Resoluções do Conanda nº 181/2017, 253/2024 e 254/2024.
Art. 21. Serão considerados atores preferenciais para participação nos processos de formulação, implementação e monitoramento da PNEVSCA e do PDNEVSCA:
I – crianças, adolescentes e representantes da sociedade civil organizada;
II – conselheiros de Direitos e Tutelares de todas as unidades federativas, incluindo Conselheiros da Educação, da Saúde e da Assistência Social;
III – integrantes de redes, fóruns e campanhas de articulação nacional, regional e local;
IV – gestores e profissionais das políticas públicas setoriais e intersetoriais, que compõem o SGDCA; e
V – lideranças de povos e comunidades tradicionais, organizações indígenas, quilombolas, migrantes, refugiadas e pessoas com deficiência.
Art. 22. A PNEVSCA e o PDNEVSCA deverão prever mecanismos autônomos de monitoramento e avaliação, dotados de apoio técnico e financeiro público, com vistas a garantir efetividade na implementação das ações, transparência nos processos decisórios e na gestão dos recursos e controle social na execução das políticas, assegurando a produção de dados e indicadores desagregados por raça, etnia, gênero, idade e território.
CAPÍTULO XII
DAS COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES PARA A ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA PNESVCA E DO PDNESVCA
Art. 23. Compete aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente em articulação com os Conselhos das Políticas Setoriais a elaboração de normas gerais para política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
§ 1º Em âmbito nacional compete ao Conanda:
a) formular, deliberar e aprovar as diretrizes da PNEVSCA e do PDNEVSCA;
b) acompanhar, monitorar e avaliar a implementação das políticas referidas nesta Resolução;
§ 2º Compete aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente em âmbito estadual, distrital e municipal na elaboração de normas específicas e complementares para adequação às realidades dos seus territórios.
Art. 24. Compete ao Governo Federal, elaborar, implementar, monitorar e avaliar a PNEVSCA e do PDNEVSCA.
I – Aos órgãos responsáveis pela política dos direitos da criança e do adolescente compete:
a) formular a PNEVSCA, de acordo com as diretrizes deliberadas pelo Conanda;
b) prestar apoio técnico e administrativo à Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual;
c) fomentar a articulação intersetorial, interinstitucional e interministerial necessária à implementação da política;
d) estruturar mecanismos e desenvolver metodologias de monitoramento e avaliação da política.
II – À Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes compete:
a) propor programas, projetos e ações de enfrentamento à violência sexual contra criança e adolescente incluindo sugestão de revisão de documentos de políticas e planos;
b) acompanhar a implementação da PNEVSCA e do PDNEVSCA;
c) promover a articulação entre os órgãos e entidades que a compõem;
d) assegurar a efetiva participação multissetorial e interinstitucional no processo de implementação.
Art. 25. Compete aos governos, estaduais, distrital e municipais em consonância com o PNEVSCA e PDNEVSCA elaborar, implementar, monitorar e avaliar a Política de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes em seu âmbito federado.
CAPÍTULO XIII
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 26. Os entes federativos deverão observar as diretrizes desta Resolução na formulação e execução de suas políticas públicas, respeitada a legislação vigente.
Art. 27. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MARINA DE POL PONIWAS
Vice-Presidente