Stantards Probatórios e Informativos no Seio do Crime Organizado (Organização Criminosa)

Por Joaquim Leitão Júnior
Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obras jurídicas e autor de artigos jurídicos. Pós-graduado em Gestão Estratégica Aplicada à Segurança Pública pelo Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) [CSP]. Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Lotado também no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO) da unidade desconcentrada de Barra do Garças.

Com avanço das organizações criminosas vão surgindo discussões inerentes a comprovação da existência, estrutura, fisiologia e vinculação (ligação) do integrante1 para com aquela.
Em conceituação do que vem a ser organizações criminosas, os arts. 1º e seguintes, da Lei de Organizações Criminosas dispõem que:

“Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2º Esta Lei se aplica também:
I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)”

Por sua vez, o art. 2º da Lei de Organizações Criminosas preceitua que:
“Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (Vide ADI 5567)
§ 2º As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I – se há participação de criança ou adolescente;
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.
§ 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. (Vide ADI 5567)
§ 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. (Vide ADI 5567)
§ 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”

É sabido que nem sempre a produção de elementos informativos e probatórios são fáceis neste nicho da criminalidade organizada, demandando uma análise criteriosa e levando ao mesmo tempo em consideração a dificuldade da comprovação (a ponto de se exigir quase uma prova diabólica) por parte das polícias judiciárias.

Pontualmente, em caso de extorsões que comerciantes e empresários são alvos de criminosos, eles se identificam como integrantes de organizações, via telefone ou pessoalmente, e promovem constrangimentos com mal injusto de possíveis retaliações e intimidações, caso não haja o pagamento por parte dos comerciantes e empresários.

Temos exemplos concretos de empresários (comerciantes), profissionais liberais que foram mortos, em virtude de recusarem a pagar taxas ao crime organizado.
Igualmente, temos exemplos concretos de estabelecimentos que foram alvos de incêndios ou de outros tipos de depredação, em razão de recusarem a pagar taxas ao crime organizado.

Em diversas matérias jornalísticas também, extraímos que o poder público também já foi alvo da criminalidade organizada, com ações delitivas orquestradas de incêndio a ônibus, assassinatos em massa e disparos de armas de fogos em repartições públicas dentre outras para se criar o caos e implantar a sensação de insegurança, mormente quanto se intensificou a repressão e combate ao crime organizado.

Portanto, o crime organizado como ordem paralela (ilegal) ao poder estatal ameaça a própria existência do Estado de Direito. Assim, frente a grande complexidade de se comprovar a criminalidade organizada (a se exigir quase uma prova diabólica), o olhar quanto as provas e elementos informativos deve ser realizado com essas ponderações.

Assim, os questionamentos que surgem consistem em: o simples fato do indivíduo se autointitular de facção criminosa é suficiente? E se acaso o indivíduo estiver mentindo quanto a sua vinculação à “orcrim”? As imagens de eventual circuito de segurança de um faccionado extorquindo empresários, comerciantes ou profissional liberal a pagarem taxa de mensalidade em prol da organização criminosa são suficientes? Terminais telefônicos utilizados para a extorsão ou estelionato dentre outras infrações penais, em prol da organização criminosa? Reconhecimentos pessoais realizados por parte das vítimas em desfavor dos faccionados? Caso haja prisão flagrancial de alguma situação envolvendo organização criminosa por si só bastaria? Registros internos das instituições policiais a indicarem que o indivíduo é integrante de “orcrim” seria por si só suficiente? Relatórios policiais (laudos investigativos) por si só a indicarem que o indivíduo é integrante de “orcrim” ? Oitivas dos policiais ou de outros agentes públicos seriam suficiente a indicarem que o indivíduo é integrante de “orcrim”? Depoimentos de testemunhas (inclusive sem rosto) bastaria? Boletim de ocorrência por si só a indicar que o indivíduo é integrante de “orcrim” seria suficiente? Captação ambiental é suficiente? Obtenção de informações de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) basta? Quebra de sigilo telefônico e interceptação telefônica bastam? DNAs de integrantes de “orcrim” por si só seriam suficientes? Áudios e fotografias apontando vínculos e outros contextos comprometedores de um indivíduo com a “orcrim”? O interrogatório com confissão do investigado que espontaneamente confessa ser integrante de “orcrim”? Os símbolos (ou gestos) com mãos ou com pichações em muros ou fachadas de casas (e outros locais) em apologia a uma facção ou outra “orcrim” são suficientes? Quebra de sigilo bursátil bastaria? Extrações e análises de dispositivos eletrônicos com mensagens contendo diálogos e arquivos comprometedores a apontarem “orcrim” com grupos e seus membros da facção?

Retomando a discussão, apenas uma via destes questionamentos seria suficiente ou precisaríamos da junção de ao menos duas ou mais vias para fins de comprovações nos crimes de extorsão dentre outras infrações penais envolvendo crime organizado (além da própria organização criminosa)?

Esse mesmo nível de exigência dos stantards probatórios e informativos bastam para instauração de Inquérito Policial, indiciamento, apreciação de medidas cautelares, recebimento de denúncia e condenação?

Todas estas provocações giram em torno dos stantards probatórios e informativos nos crimes de extorsão dentre outras infrações penais envolvendo crime organizado (além da própria organização criminosa) são para fins de reflexões em torno do tema.

Mas afinal, o que é necessário como stantards probatórios e informativos nos crimes de extorsão dentre outros envolvendo crime organizado (integrantes de organização criminosa que agem em prol desta) para a comprovação tanto da autoria quanto da materialidade delitiva?

Partimos da premissa de que o nosso sistema não adota o sistema de prova tarifária (hierarquia de provas), mas sim o sistema do livre convencimento motivado do juiz. Em outras palavras, isso significa que ao juiz é dada a liberdade de se basear em determinada prova que lhe espelhar melhor sua convicção como stantards probatórios e informativos envolvendo infrações penais diversas e o próprio crime organizado (integrantes de organização criminosa que agem em prol desta) para fins de comprovar eventualmente tanto da autoria quanto da materialidade delitiva. Nesse mesmo sistema o juiz também pode encampar o entendimento de que não houve a comprovação da autoria quanto da materialidade delitiva.

Devemos também ter em mente, como já dito, que a produção de provas e elementos informativos são complexos neste nicho da criminalidade organizada, demandando uma análise criteriosa e levando ao mesmo tempo em consideração a dificuldade da comprovação (a ponto de se exigir quase uma prova diabólica) por parte das polícias judiciárias.

Com a cooptação de agentes públicos por organizações criminosas e até mesmo o uso do aparato estatal para influenciar nos rumos do país, o narcoestado já é uma preocupação em nossa realidade.

Ademais, não podemos olvidar das lições do país de El Salvador, presidido por Nayib Bukele, que tem demonstrado êxito no combate ao crime organizado. As instituições públicos precisam entender que as soluções implementadas até o momento não tem surtido os efeitos desejados, sendo necessário repensarmos no âmbito legislativo outros caminhos para a repressão ao crime organizado, inclusive cogitar ferramentas que se aproximam da realidade do Direito Penal do Inimigo, sob pena da possível ameaça de extinção do próprio Estado de Direito.

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, em que pese a produção de provas e elementos informativos serem complexos neste nicho da criminalidade organizada, demandando uma análise criteriosa e levando ao mesmo tempo em consideração a dificuldade da comprovação (a ponto de se exigir quase uma prova diabólica) por parte das polícias judiciárias e demais atores do sistema de Justiça Criminal, o Estado não pode desincumbir do ônus de comprovar os stantards probatórios e informativos nos crimes de extorsão dentre outros envolvendo crime organizado e o próprio crime organizado (integrantes de organização criminosa que agem em prol desta) para a comprovação tanto da autoria quanto da materialidade delitiva.

Por fim, o caso concreto é que vai direcionar o intérprete quanto a compreender se o quadro probatório e informativo é suficiente para restar demonstrado a comprovação tanto da autoria quanto da materialidade delitiva no âmbito da criminalidade organizado e nas infrações penais correlatas.

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1 Integrante aqui no texto é terminologia empregada em sentido ampliado para corresponder alternativamente as condutas plurais de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei de Organização Criminosa). Nesse mesmo contexto, não podemos deixar despercebida a junção necessária do art. 1º e seguintes da mesma lei para configuração da criminalidade organizada.

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