Na sessão de julgamentos do dia 23 de julho, a Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) decidiu anular uma sentença proferida em primeira instância, determinando a reabertura de uma ação trabalhista movida por uma operadora de caixa contra o supermercado onde trabalhava. A decisão considerou que a ausência da autora à audiência de instrução decorreu de situação de força maior, relacionada ao nascimento prematuro de suas filhas gêmeas, que se encontravam em estado grave de saúde e exigiam acompanhamento materno intensivo.
De acordo com os autos, a trabalhadora alegou ter sido admitida sem registro em carteira, laborando em condições degradantes, sem pausas adequadas e sem recebimento de benefícios garantidos por norma coletiva. Ela também afirmou ter sido dispensada sem justa causa durante período de afastamento médico, apesar de estar grávida de gêmeos, o que configuraria violação da estabilidade provisória da gestante. Na ação, pleiteou o reconhecimento do vínculo de emprego, o pagamento de verbas rescisórias, indenização substitutiva pela estabilidade gestacional, danos morais e outras parcelas trabalhistas.
A audiência de instrução estava designada para o dia 23 de março de 2025. Na ocasião, a autora não compareceu pessoalmente, tendo sido representada apenas por sua advogada. Diante da ausência, o juízo de origem aplicou os efeitos da confissão ficta, com base no artigo 844, § 4º, da CLT, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pela reclamada. Em consequência, todos os pedidos foram julgados improcedentes.
No recurso ao TRT-10, a autora justificou que, na data da audiência, suas filhas gêmeas, nascidas com apenas 26 semanas de gestação, permaneciam internadas em unidade de terapia intensiva neonatal, em estado clínico grave. A trabalhadora apresentou laudos médicos e atestados que comprovavam a prematuridade extrema das recém-nascidas e a necessidade de sua presença contínua no hospital.
Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora Maria Regina Machado Guimarães, reconheceu a existência de força maior e situação de extrema vulnerabilidade, destacando a importância de uma abordagem sensível e inclusiva pelo Poder Judiciário. Em seu voto, a magistrada ressaltou que a aplicação automática da confissão ficta, sem considerar o contexto fático e a justificativa posteriormente apresentada, configuraria cerceamento de defesa e violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do acesso à ordem jurídica justa.
“Em situações excepcionais como a vivenciada pela reclamante, o acesso à justiça exige do Judiciário o rompimento de barreiras formais que impedem a efetiva participação de pessoas em condição de vulnerabilidade, especialmente mulheres-mães e crianças em risco”, destacou a relatora.
A decisão também considerou as diretrizes do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, instituído pelo Ato Conjunto TST.CSJT.GP nº 70/2023, em conformidade com a Resolução CNJ nº 492/2023. Tais instrumentos orientam o Poder Judiciário à adoção de práticas jurisdicionais que promovam a igualdade substancial e garantam o acesso à justiça a grupos em situação de vulnerabilidade.
Por unanimidade, a Terceira Turma acolheu a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa e determinou o retorno dos autos à Vara de origem, para reabertura da fase de instrução, com a designação de nova audiência.
Processo nº 0000969-65.2024.5.10.0003.
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