Estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não binárias – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais – nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização.
A PRESIDÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS, QUEERS, INTERSEXOS, ASSEXUAIS E OUTRAS – CNLGBTQIA+, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 11.471, de 6 de abril de 2023, e com fundamento no Parecer nº 1 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CNCD, de 16 de janeiro de 2015,
Considerando o Art. 5º da Constituição Federal, que estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza – entendendo-se aqui inclusive as diferenças quanto a sexo, a orientação sexual, a identidade ou a expressão de gênero;
Considerando os princípios de Direitos Humanos consagrados em documentos e tratados internacionais, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo de São Salvador (1988), a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001) e os Princípios de Yogyakarta (Yogyakarta, 2006);
Considerando a Lei nº 9.394/1996, que define as diretrizes e bases da educação nacional que, em seu Art. 2º, estabelece a educação como dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, indicando, em seu Art. 3º, como princípios do ensino, entre outros, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o respeito à liberdade e o apreço à tolerância;
Considerando a Portaria do Ministério da Educação nº 33, de 17 de janeiro de 2018, que define o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da Educação Básica do País, para alunos maiores de 18 anos;
Considerando a Resolução nº 1, de 19 de janeiro de 2018, do Conselho Nacional de Educação, que:
I – define o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares;
II – o pressuposto da legislação, ao possibilitar o nome social aos com maioridade legal, após uma década, não logrou inteiramente os objetivos de impedir a evasão escolar, decorrente dos casos de discriminação, assédio e violência nas escolas em relação a travestis e transexuais, mesmo com legislações específicas emitidas pela ampla maioria das secretarias estaduais de educação;
III – a legislação nacional ampara o entendimento de que estudantes menores de 18 (dezoito) anos são portadores de direito, e que a evasão escolar constitui grave atentado contra o direito à educação;
IV – os princípios que norteiam a legislação educacional no país asseguram o respeito à diversidade, à proteção de crianças e adolescentes e ao inalienável respeito à dignidade humana;
V – a diversidade sexual e o respeito à identidade de gênero são congruentes com os valores universais da contemporaneidade democrática, e que o Brasil é signatário desses valores em razão do compromisso nacional e da assinatura em diversos acordos internacionais de direitos humanos;
VI – a responsabilidade das instituições educacionais na educação e na formação dos estudantes, com respeito aos valores humanos que acenem para uma sociedade fraterna e harmoniosa;
VII – a discriminação às/aos estudantes travestis e transexuais nas escolas brasileiras em função de suas identidades de gênero e o impacto positivo que o nome social pode representar em suas vidas;
Considerando os compromissos assumidos pelo Governo Federal no que concerne à implementação do Programa ‘Brasil sem Homofobia – Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBTQIA+ e de Promoção da Cidadania Homossexual’ (2004), do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBTQIA+ (2009), do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 (2009) e do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2012);
Considerando a Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013, que institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude;
Considerando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, do Supremo Tribunal Federal, a qual garante que:
I – o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero;
II – a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la;
III – a pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por autoidentificação firmada em declaração escrita desta sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade;
Considerando o Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;
Considerando que, para fins desta Resolução, entende-se a conceituação de expressão de gênero como ‘a forma em que cada pessoa apresenta o seu gênero através da sua aparência física – incluindo a forma de vestir, o penteado, os acessórios, a maquiagem – o gestual, a fala, o comportamento, os nomes e as referências pessoais, e recordando, além disso, que a expressão de gênero pode ou não coincidir com a identidade de gênero da pessoa’, resolve:
Art. 1º Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, públicas e privadas, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social aos/às estudantes cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade ou expressão de gênero, mediante solicitação do próprio interessado, conforme a Resolução nº 1, de 19 de janeiro de 2018, do Conselho Nacional de Educação.
Art. 2º Deve ser garantido, aos/às estudantes que o solicitarem, o direito ao tratamento oral exclusivamente pelo nome social, em qualquer circunstância, a exemplo de chamada para registro da frequência.
Art. 3º O campo ‘nome social’ deve ser inserido precedendo o nome de registro em todos os formulários e sistemas de informação utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência, avaliação e similares.
Art. 4º Deve ser garantido, em instrumentos internos de identificação e na emissão de documentos oficiais, uso exclusivo do nome social, mantendo unicamente no registro administrativo a vinculação entre o nome social e a identificação civil.
Parágrafo único. Para a emissão de documentos oficiais, será utilizado o nome social em destaque e o nome civil no verso.
Art. 5º Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero de cada estudante.
Art. 6º Devem, ainda, ser implementadas as seguintes ações no sentido de minimizar os riscos de violências e/ou discriminações:
I – sempre que possível, instalação de banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos;
II – realização de campanhas de conscientização sobre o direito à autodeterminação de gênero das pessoas trans e suas garantias; e
III – fixação de cartazes informando se tratar de espaços seguros e inclusivos para todas as pessoas.
Art. 7º Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária, deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade ou expressão de gênero de cada estudante.
Art. 8º É garantida às pessoas autodeclaradas transexuais e travestis, e pessoas não binárias, a livre expressão de gênero a seu critério, sendo garantida a escolha do corte de cabelo e/ou uso de acessórios condizentes com sua identidade e/ou expressão de gênero.
Art. 9º Estas orientações se aplicam, também, aos processos de acesso às Instituições de Ensino, tais como concursos, inscrições, entre outros, tanto para as atividades de ensino regular ofertadas continuamente quanto para atividades eventuais.
Art. 10. Estas orientações também devem ser estendidas e garantidas para todas e todos as/os estudantes transexuais menores de 18 anos, sejam adolescentes ou crianças, incluindo a tomada de decisão apoiada pelos pais ou responsáveis legais, que devem ser consultados sobre a expressa autorização em conjunto com a criança ou o adolescente, assim como emitir explicação registrada por escrito em caso de negativa da garantia do uso do nome social e/ou da liberdade de identidade e expressão de gênero junto à instituição de ensino.
Parágrafo único. Nos casos em que as instituições de ensino estiverem atuando para impedir o acesso ou negarem, seja a garantia do uso do nome social e/ou o acesso a banheiros e espaços segregados por gênero de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero do/da estudante, orientamos aos pais e responsáveis legais que efetivem denúncias para os órgãos de proteção às crianças e adolescentes.
Art. 11. Revoga-se a Resolução nº 12, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CNCD, de 16 de janeiro de 2015.
Art. 12. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
JANAÍNA BARBOSA DE OLIVEIRA
Presidenta do Conselho