STF valida licença ambiental por autodeclaração

Georges Humbert – Advogado, professor, pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, doutor e mestre em direito pela PUC-SP, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade.

 

Na última semana, o STF proferiu importante julgamento para direito ambiental brasileiro, indo de encontro as suas recentes decisões de retrocesso à sustentabilidade, justiça social e progresso econômico, fundadas no sensacionalismo ambiental da famigerada pauta verde (que de verde mesmo só tem o nome).

Trata-se da ADI 5.014 /BA, cujo Relator foi Ministro DIAS TOFFOLI, e tinha por objeto a declaração de egras sobre licenciamento ambiental em âmbito do Estado da Bahia. Ao contrário do que já havia decidido em casos análogos do Tocantins e do Ceará, Para surpresas e contradição com precedentes, foi julgada improcedente a até então festejada e acolhida argumentação de teses do Ministério Público e de ONGs ambientalistas radicais.

A controvérsia constitucional mais uma vez gravitou à luz do sistema de repartição de competências, sobre duas modalidades de licenciamento ambiental criadas pela Lei 10.431/2006 do Estado da Bahia, a licença de regularização e a licença ambiental por adesão e compromisso, bem como análise de possível retrocesso social quanto à participação popular por meio de audiências públicas decorrentes de alterações promovidas pela norma estadual.

MP e Ong sempre defenderam e sustentam, mais uma vez, neste caso, no do Tocantins e do Ceará, que a denominada LAC criou uma forma de autorregulação ambiental, à margem da imposição constitucional que determina a supervisão estadual sobre as atividades potencialmente poluidoras. Segundo a PGR, neste caso, a atuação do poder público é substituída por mera declaração de adesão e compromisso do empreendedor, sem qualquer controle efetivo do órgão ambiental, mesmo que se trate de empreendimentos com potencial poluidor. Argumentou que a Resolução 4.250/2012 do Conselho Estadual do Meio Ambiente da Bahia lista, entre as atividades a serem submetidas ao licenciamento por adesão, algumas são sabidamente poluidoras, como a instalação de frigoríficos, fabricação de artefatos de borracha e plástico e postos de gasolina, e que essa modalidade de licença será aplicada mesmo em empreendimentos de grande porte.

Por sua vez, ainda segundo o MP e ONGs, a LR permite, portanto, que atividades ou empreendimentos de qualquer porte, ilegalmente instalados (justamente porque não se submeteram ao processo de licenciamento ambiental), continuem a funcionar simplesmente mediante a comprovação de viabilidade e de recuperação ou compensação do passivo ambiental. De acordo com a PGR, permite, até mesmo, que empreendimentos ainda em implantação sigam descumprindo as normas ambientais que disciplinam o regular licenciamento ambiental, abrindo-se a possibilidade de convalidação de inúmeras irregularidades de empreendimentos em funcionamento ou a serem instalados até a regulamentação da lei, em prejuízo da proteção ambiental e contrariando toda a sistemática do procedimento de licenciamento ambiental disciplinado em normas gerais editadas pela União.

Os atacantes da norma baiana, assim como fizeram contra a de Tocantins e Ceará, alegaram duas modalidades de licenciamento permitem a instalação de atividades ou empreendimentos sem a realização de qualquer tipo de estudo de impacto ambiental, o que constitui clara afronta ao artigo 225, parágrafo 1º, incisos IV e V, da Constituição Federal. A PGR alega, também, afronta ao pacto federativo e ao artigo 24, parágrafos 1º e 2º, da Constituição, que delimita a ação legislativa dos estados nas matérias de competência concorrente.

A alteração violaria também o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 (que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente), que delimita a atuação legislativa dos estados-membros em matéria de direito ambiental. Não competia ao estado da Bahia criar novos tipos de licenças ambientais que, na verdade, constituem autorizações para que o licenciamento ambiental portanto, o estudo prévio de impacto ambiental e o efetivo controle das atividades poluidoras não ocorra.

Tal entendimento consta da decisão que fulminou a Lei de Licenciamento Ambiental, sancionada pelo então governador Mauro Carlesse, em julho de 2021, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Tocantins. Na época, a Lei nº 3.804/2021 causou polêmica, criou novas modalidades e até excluiu a necessidade de licença em alguns casos, mas era similar a agora reconhecida pelo STF, pois, por exemplo, também versava sobre Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), a Licença Ambiental Corretiva.

“Norma que cria hipóteses de dispensa de licenciamento ambiental de atividades impactantes e degradadoras do meio ambiente estão em contrariedade com o artigo 225 da Constituição, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (…), impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”. Era esse o entendimento do STF até então, em casos análogos ao em debate, como na ADI 6.288 quando declarou por unanimidade a inconstitucionalidade de dispositivo da Resolução 2/2019 do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará, que dispõe sobre processos de licenciamento e autorização ambiental no âmbito da Superintendência Estadual do Meio Ambiente. A decisão se deu na sessão virtual finalizada na última sexta-feira (20/11) no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

Em surpreendente guinada contra a insustentável e irracional pauta verde, agora o STF , por maioria, julgou improcedentes os pedidos constantes na presente ação direta de inconstitucionalidade e declarou a constitucionalidade dos artigos 40, 45, incisos VII e VIII, e 147, todos da Lei n. 10.431/2006, do Estado da Bahia, com a redação que lhes foi conferida pela Lei Estadual n. 12.377, de 28 de dezembro de 2011. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido apenas o Ministro Edson Fachin. Significa que Licença por Adesão e Compromisso, a Licença de Regularização, dispensa de licenciamento e outros procedimentos modernização são compatíveis com a Constituição e podem ser objeto de lei estadual.

O meio ambiente é tema dos mais relevantes nos dias atuais, em todo o mundo. No Brasil, desde 1988, ganhou status de bem jurídico protegido constitucionalmente, estando objetado em capítulo específico, a partir do art. 225, bem como plasmado em diversos dispositivos, como o 5º, LXXIII, 23, V a VII, 24, VI a VIII,129, III, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VIII, 218, parágrafo único, e 220, II, além de outras passagens de disciplina de bens ambientais específicos, como recursos hídricos, minérios, cultura, comunidades tradicionais, cidades e outras questões inerentes ao meio ambiente.

Por conseguinte, é sob a égide desses alicerces normativos que deve ser compreendido e aplicado o direito ambiental, incluindo o licenciamento ambiental, instituto regido e fundado no art. 225 da Constituição, seus princípios, regras e definições. Fundado no princípio da proteção e no dever jurídico do Poder Público de controle e fiscalização do meio ambiente, bem como na condição de processo que comportará os estudos e avaliações ambientais, na forma do art. 225, § 1º, IV e V, o licenciamento ambiental possui um fundamento de direito positivo, mas deriva da análise de um conjunto de normas jurídicas mais abrangidas pelo Direito Administrativo. Há, ainda, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que, em seu art. 9º, prevê o licenciamento como instrumento da política do meio ambiente No âmbito federal infralegal, há duas normas relevantes, a saber, a Resolução CONAMA nº 01/86 e nº 237/97.

Ou seja: o regime jurídico do licenciamento ambiental no Brasil tem 40 anos, está ultrapassado, não acompanhou os avanços sociais, econômicos, ambientais e, a toda evidência, as inovações e modernizações tecnológicas. Sustentar a amutenção deste sistema arcaico, lento e falho, pois já se mostrou que não protege o ambiente como deveria e atrapalha o desenvolvimento social e econômico, é violar a lógica. E mais: é violar o sistema jurídico, notadamente a Constituição, que determina a razoável duração do processo – inclusive do processo de licenciamento ambiental, bem como a eficiência da administração – e o processo de licenciamento das décadas de 80 e 90 do século passado são tudo, menos eficientes ou eficazes. Portanto, é preciso romper esse mito em torno do licenciamento ambiental e, com técnica, ciência e fundamento jurídico, fazer a sua modernização, como já ocorreu, diga-se, no em todo o mundo desenvolvido. É preciso romper preconceitos, radicalismos, achismos, ideologias e decidir de acordo com a ordem jurídica e técnica.

Na Europa, uma das regiões do mundo mais rigorosas na questão de proteção ambiental, passou por um processo de simplificação, por meio do Institute European Environmental Policy. Os princípios são foco nos resultados, obrigações proporcionais aos problemas e maximização dos ganhos, sendo certo que, há mais de dez anos Portugal busca o que denominam de “licenciamento zero”.

Outra questão importante é a conformidade destes instrumentos com a Lei Federal nº 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica, destacar que a nova lei implica em processos mais ágeis, dinâmicos, céleres e eficientes, o jurista baiano aponta os princípios da confiança e da presunção de boa-fé do empreendedor. De uma detida análise da nova lei, verifica-se, destas e outras regulamentações, que se trata de norma que em nenhuma medida reduz a proteção ao meio ambiente, mas vai ao encontro dos direitos fundamentais de liberdade, segurança e aos princípios da ordem econômica, da administração pública, notadamente o da eficiência, como também aos da tutela do meio ambiente, especialmente no que tange a promoção da sustentabilidade, valor jurídico que somente alcança a sua máxima potência quando o desenvolvimento econômico, o progresso social e a preservação dos ecossistemas caminham de mãos dadas, como é o que se pretende com a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que veio tarde, mas em boa hora

Vê-se, do exposto, que a modernização do licenciamento ambiental baiano e brasileiro é necessária, já foi concretizada, com sucesso, por muitos estados, precisa ser contínua, acompanhando a evolução da sociedade, tecnológica e inovações diversas, razão pelo que não expressa um retrocesso ambiental, mas tão somente adequa cada procedimento específico em razão das peculiaridades e características do empreendimento objeto de análise. Na verdade, diga-se, busca-se atender ao princípio da eficiência, insculpido no art. 37 da Constituição Federal, com a institucionalização de procedimentos diferenciados com vistas a compatibilizar as etapas de planejamento, implantação e operação.

Assim sendo, ao contrário do que alegado pelo senso comum e por uma ala ambientalista radical, que se pauta por ideologia, em detrimento da ciência, das leis e dos fatos reais, a norma estadual em debate e modernização de procedimentos ali disciplinadas, vai ao encontro das normas gerais da União, da Constituição Estadual e da Constituição Federal e dos deveres de sustentabilidade, razoabilidade, proporcionalidade, equilíbrio, necessidade e adequação dentro dos processos e procedimentos ambientais, sendo certo que nada mais arriscado e perigoso do que sustar a lei e o decreto em debate, com todo seus estudos e participações multifacetadas.

Portanto, merece aplauso este retorno a serenidade, segurança jurídica e defesa da repartição de poderes e de competências pelo STF, em detrimento de, como pretendem setores, retomar a uma lei da década de 80, quando não existia sequer internet, Google Earth, georreferenciamento e outros mecanismos e instrumentos modernos, gerando desemprego, pobreza, descontrole e não monitoramento ambiental, com fortalecimento e financiamento de ONG, em desfavor do povo e de seus representantes eleitos para Executivo Legislativo, o que enfraquecia o meio ambiente e a democracia. Agora é o Tocantins e o Ceará reestabelecem suas normas de licenciamento e o Estado da Amazônia e de Goiás se defenderem, com base no precedente baiano.

 

 

Deixe um comentário

Carrinho de compras
Rolar para cima
×