É Possível a Concessão de Aposentadoria Para Quem Está de Licença Sem Remuneração

Bruno Sá Freire Martins – Advogado; Consultor jurídico da ANEPREM e da APREMAT; Pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; Professor de Pós-graduação.

 

1 – Introdução

O Regime Próprio de Previdência Social apesar de se constituir em regime básico previdenciário revestido de autonomia, ainda enfrenta algumas questões atinentes aos regramentos que regulam os direitos e deveres do servidor público.

Dentre os quais se encontra a possibilidade de o servidor afastar-se do exercício de suas atribuições sem receber remuneração, mas mantendo sua condição de servidor público, já que esse afastamento não acarreta a extinção do vínculo, hipótese que é denominada licença sem remuneração ou licença para tratamento de assuntos particulares.

A qual tem gerado controvérsia à medida que se questiona se é necessário que o servidor esteja no exercício das atribuições de seu cargo no momento de sua inativação ou se a aposentadoria pode ser concedida mesmo ele estando em licença sem remuneração.

 

2 – Licença sem Remuneração

Segundo FILHO a licença é a suspensão temporária do exercício das atribuições do servidor público estatutário, em situações de interesse alheio à Administração Pública, mas tutelado pelo direito.[1]

Partindo dessa premissa a legislação local traz as regras atinentes à concessão das licenças e os efeitos relacionados ao vínculo do servidor com o respectivo Ente Federado, dentre os quais pode se destacar o fato de que diversas licenças tem seu lapso temporal considerado, pela norma local, como de efetivo exercício.

O que permite o computo de tais períodos em várias hipóteses, como por exemplo, nas progressões ou mesmo promoções funcionais.

No caso da chamada licença sem remuneração, as legislações trazem previsão no sentido de que o servidor deixará suas atividades e durante o período em que estiver afastado não receberá sua remuneração, entretanto, continuará sendo considerado ocupante de cargo de provimento efetivo.

Isso porque, como dito inicialmente, a licença não se constitui em causa de extinção do vínculo, mas sim de sua suspensão.

Situação que traz uma série de implicações previdenciárias, já que como se depreende do caput do artigo 40 da Constituição Federal a filiação ao Regime Próprio pressupõe a condição de ocupante de cargo efetivo e também estabelece o caráter contributivo da previdência do servidor.

Com relação ao caráter contributivo, há de se ressaltar que a base de cálculo da dita contribuição é a remuneração do servidor, além disso o dever de recolhimento das mesmas é do órgão ao qual este se encontra vinculado.

Razão pela qual o não recebimento desta impede que haja o devido recolhimento, hipótese em que um dos pressupostos exigidos pela Constituição Federal deixa de ser observado, já que o servidor mantém a condição de ocupante de cargo de provimento efetivo, mas não contribui para o Regime Próprio.

Ressalvadas as hipóteses onde haja previsão legal local permitindo que o servidor continue a recolhê-las.

E, nesse ponto, é preciso ressaltar que diversas legislações de Regimes Próprios, ao autorizarem a manutenção da contribuição durante o período de licença sem remuneração, adotam forma variada em alguns casos o fazendo de forma impositiva enquanto que em outros facultam ao servidor a manutenção desta.

Ocorre que, muitas normas locais, independentemente da existência de compulsoriedade de pagamento, trazem, previsão no sentido de que a não manutenção das contribuições enseja a perda da condição de filiado ao Regime Próprio.

Fazendo com que o servidor que não mantenha as suas contribuições junto ao respectivo Regime Próprio, mantenha a sua condição de ocupante de cargo de provimento efetivo, mas deixe de ser considerado como segurado deste, ante a ausência de contribuições.

Situação que permite a interpretação de que a filiação ao dito Regime somente se materializa ou mesmo se mantém caso ocorra a ocupação do cargo efetivo e o respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias, razão pela qual alguns entendem que se tratam de requisitos cumulativos de filiação, fazendo com que o preenchimento de ambos se constitua em condição sine qua non para a manutenção desta.

Situação assemelhada as previsões destinadas aos segurados do regime Geral, em especial ao contribuinte individual.

Pois como afirma AMADO[2] para os contribuintes individuais que trabalhem por conta própria, não bastará o simples exercício de atividade laborativa remunerada para que ocorra a filiação, que é condicionada ao efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias, pois inexiste empresa ou empregador para ser o responsável pela arrecadação, competindo aos próprios contribuintes individuais fazê-lo.

Isso porque, para os demais segurados obrigatórios do Regime Geral basta a comprovação da existência do vínculo laboral, já que lá, também, nesses casos, a obrigação pelo recolhimento das contribuições previdenciárias é do empregador, fazendo com que a ocorrência deste seja presumida, ainda que não haja o respectivo repasse dos valores à Autarquia Federal.

Nesse sentido:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUTOS DEVOLVIDOS PELO STJ. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. NECESSIDADE DE INDENIZAÇÃO AO RGPS PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CÁLCULO. ACÓRDÃO DE APELAÇÃO DIVERGENTE DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STJ. RECURSO ESPECIAL ADMITIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. I – Eis o teor do acórdão de apelação, atacado pelo recurso especial interposto pela parte autora: “1. Não se trata de cobrança de contribuição previdenciária, que, após a CF/88, passou a ostentar natureza tributária, mas sim de indenização no art. 45-A da Lei 8.212/91 o qual dispõe que o contribuinte individual que pretenda contar como tempo de contribuição, para fins de obtenção de benefício no Regime Geral de Previdência Social ou de contagem recíproca do tempo de contribuição, período de atividade remunerada alcançada pela decadência, deverá indenizar o INSS. Afastada, portanto, a discussão sobre eventual ocorrência de decadência do direito da autarquia previdenciária exigir a prestação questionada. (…) 4. A ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias não pode servir de empecilho ao reconhecimento do tempo de serviço, porquanto a obrigação pelo recolhimento é do empregador, não se podendo imputá-la ao empregado, cabendo ao INSS fiscalizar o cumprimento dessa obrigação. Todavia, no caso de segurado contribuinte individual, o recolhimento das contribuições deve ser feito por iniciativa própria, razão pela qual deverá ele proceder ao pagamento retroativo das contribuições para ver reconhecido o tempo de serviço almejado, através da indenização prevista no art. 45-A, § 2º, da Lei 8.212/91. 5. O cálculo do valor da indenização deve ser efetuado de acordo com as alíquotas e base de cálculo previstas na legislação previdenciária vigente na data do requerimento e do deferimento administrativo da contagem de tempo de serviço, e não na que estava em vigor na data da ocorrência do fato gerador, não havendo que se falar em decadência para a constituição do crédito tributário. Precedentes.(…)” II – O acórdão atacado diverge do entendimento jurisprudencial do STJ acerca da matéria, ao tratar da legislação aplicável para definir a base de calculo e alíquotas pertinentes ao recolhimento objeto de questionamento, conforme se observa nos seguintes precedentes: “(…) 3. A jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que, para se apurar os valores devidos a título de contribuições à Previdência Social, devem ser considerados os critérios legais existentes no momento da atividade laborativa, e não do requerimento administrativo. 4. Dessa forma, as contribuições previdenciárias não pagas em época própria, para fins de contagem recíproca de tempo de serviço, somente sofrerão acréscimos de juros e multa quando o período a ser indenizado for posterior à Medida Provisória n. 1.523/1996, convertida na Lei n. 9.528/1997. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.(REsp 1607544/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 29/09/2017). No mesmo sentido: AgRg no Ag 1150735/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010; REsp 1607075/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 05/04/2019. III – Impõe-se permitir o processamento do recurso especial interposto pela parte autora. Agravo interno provido. (AGRREX 0017671-88.1998.4.01.3800, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, TRF1 – CORTE ESPECIAL, e-DJF1 16/10/2020 PAG.)

Portanto, é possível afirmar que os defensores da contribuição como condição para manutenção da filiação do servidor licenciado ao Regime Próprio entendem que deve ser adotado o mesmo tratamento dispensado ao contribuinte individual pelo Regime Geral.

 

3 – Efetivo Exercício do Cargo

Segundo a Orientação Normativa n.º 02/09 do extinto Ministério da Previdência, hoje substituído pelo Ministério da Economia considera-se cargo efetivo:

Art. 2º …

VI – cargo efetivo: o conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades específicas definidas em estatutos dos entes federativos cometidas a um servidor aprovado por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos;

O que não pode ser confundido com o efetivo exercício do cargo, já que este pressupõe que o servidor esteja de fato exercendo as atribuições de seu cargo ou em uma das situações que a Lei considerada como de efetivo exercício, como é o caso da licença para tratamento da própria saúde.

Tanto que recentemente, a Corte Suprema, em situação análoga, afastou a possibilidade de que fossem considerados como tempo de efetivo exercício períodos fictos autorizados por lei, como se vê da decisão proferida no Tema 840:

A expressão ‘serviço efetivo, em qualquer regime jurídico’, considerado o disposto no artigo 53, V, do Ato das Disposições Transitórias, não aproveita tempo ficto

Isso porque, o chamado tempo ficto também encontra previsão e respaldo legal de forma que sua inserção na contagem de tempo tinha fundamento de validade em expressa determinação legal, entretanto a exigência constitucional supera as previsões contidas nas legislações locais, como já dito.

Como inclusive se manifestou o Ministro Alexandre de Moraes no julgamento do Tema em questão, senão vejamos:

Se o constituinte originário pretendesse autorizar eventual contagem ficta de tempo para concessão da aposentadoria de ex-combatentes, não teria expressamente mencionado que o serviço deve ser “efetivo”. Na verdade, o que de fato o constituinte pretendeu resguardar foi o aproveitamento do tempo de serviço em regimes jurídicos diversos, desde que o serviço tenha sido efetivamente prestado. Não se cogita, portanto, que o tempo de serviço majorado por regras especiais de um regime específico seja considerado a maior também nos demais regimes jurídicos coexistentes, salvo expressa previsão legal.

Posicionamento esse que se alinha, guardada as devidas proporções, aos ensinamentos MEIRELLES[3]:

O exercício do cargo é decorrência natural da posse. Normalmente, a posse e o exercício são dados em momentos sucessivos e por autoridades diversas, mas casos há em que se reúnem em um só ato, perante a mesma autoridade. É o exercício que marca o momento em que o funcionário passa a desempenhar legalmente suas funções e adquire direito às vantagens do cargo e à contraprestação pecuniária devida pelo Poder Público. Sem exercício, já decidiu o TJSP, não há direito ao recebimento de vencimentos.

Assim, existe a possibilidade de que o servidor não esteja de fato exercendo as atribuições de seu cargo e, ainda assim, seja considerado em efetivo exercício.

Além disso, independentemente de estar em efetivo exercício do cargo, o servidor continua sendo ocupante do cargo efetivo durante o período em que se encontra em licença sem remuneração.

Conclusão essa que decorre do próprio conceito da licença que é claro ao estabelecer que está não se constitui em extinção do vínculo, mas sim em mera suspensão, sendo esse, inclusive, o motivo pelo qual durante esse período não se admite novo provimento definitivo do cargo efetivo.

Situação essa que caracteriza o preenchendo de uma das exigências para se manter na condição de filiado ao Regime Próprio, como já dito.

 

4 – Pressupostos para ser Segurado do Regime Próprio

Segundo CAMPOS[4] segurado é toda pessoa física que se vincula a um determinado regime de previdência, do qual espera receber benefícios e serviços em situação de contingências.

                         Sendo-lhe exigido, para tanto, o preenchimento de todas as imposições legais para que o servidor possa ser considerado como segurado de um Regime Próprio de Previdência Social.

As quais, como já dito, em sede de previdência do servidor, pela análise literal do caput do artigo 40 da Constituição consistem em ocupação de cargo efetivo e efetivação das contribuições previdenciárias, ante ao caráter contributivo do regime por ele estabelecido.

Condições essas que, para alguns, devem ser preenchidas simultaneamente, sob pena de não se reconhecer a condição de filiado ao Regime Próprio.

Sendo esse, inclusive, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação em procedimento comum. Pensão por morte. Tutela de urgência. Indeferimento. Manutenção. 1. Servidor falecido que pleiteara licença para tratar de assuntos particulares por dois anos sem remuneração. Ausência de contribuição ao Instituto de Previdência Social. Intelecção dos artigos 17, 19 e 57 da Lei Municipal n. 3.806/05. 2. Decisão que indeferiu a tutela por falta de preenchimento dos requisitos insertos no art. 300 do CPC. Manutenção. 3. Negado provimento ao recurso. (TJSP; Agravo de Instrumento 2038800-68.2020.8.26.0000; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Araras – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2020; Data de Registro: 27/11/2020)

PENSÃO POR MORTE. Estado de São Paulo. Servidor falecido enquanto estava licenciado sem vencimentos. Opção expressa pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias. Incidência dos arts. 135, § 2º, da LCE nº 180/86 e 12 da LCE nº 1.012/07. Caráter contributivo do regime previdenciário. Pensão indevida. Ação julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP;  Apelação Cível 1002467-67.2017.8.26.0606; Relator (a): Heloísa Martins Mimessi; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Suzano – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/07/2019; Data de Registro: 15/07/2019)

Devendo-se, ressaltar que, nesses casos, como consta dos Acórdãos, o entendimento acerca da necessidade de ocupação do cargo efetivo e efetivação das contribuições previdenciárias tomou por base a respectiva previsão legal dos Entes Federados.

As quais, pelo que se depreende das decisões, continham regra no sentido de que a ausência de contribuições ao Regime Próprio afasta a condição de segurado do servidor, ainda que este se encontre apenas de licença sem remuneração.

Permitindo, assim, o entendimento de que a ausência de previsão legal nesse sentido autoriza o reconhecimento da condição de segurado, àqueles que não estando contribuindo por se encontrarem em licença sem remuneração continuam filiados ao Regime Próprio.

Há de se ressaltar, ainda, que a União também adota o entendimento de que a ausência de contribuição ao Regime Próprio se constitui em causa da perda da condição de segurado junto a este.

Conclusão essa decorrente da interpretação do teor do § 5º do artigo 201 da Constituição Federal in verbis:

  • 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência.

Onde, como se vê, só se admite que o servidor seja filiado ao Regime Geral, como segurado facultativo se não estiver filiado ao Regime Próprio, exigência essa compatível com o conceito de segurado facultativo à medida que essa pressupõe a ausência de exercício de atividade remunerada que enseje a filiação previdenciária.

Conjuntamente com o teor do Decreto n.º 3.048/99 que estabelece que:

Art. 11 …

  • 2ºÉ vedada a filiação ao Regime Geral de Previdência Social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência social, salvo na hipótese de afastamento sem vencimento e desde que não permitida, nesta condição, contribuição ao respectivo regime próprio.

Portanto, na visão da União, a filiação de servidor em licença sem remuneração junto ao INSS pressupõe a inexistência de permanência da manutenção das contribuições junto ao Regime Próprio de origem.

Ensejando a conclusão de que, por força do regramento contido no referido Decreto, a ausência de contribuições previdenciárias junto ao Regime Próprio e a inexistência de possibilidade legal de o fazê-lo durante o período de licença sem remuneração ensejam a perda da condição de segurado junto ao RPPS por parte do servidor.

Entretanto, é preciso frisar que, em verdade, o que o caput do artigo 40 fez foi limitar a filiação ao Regime Próprio apenas aos ocupantes de cargo efetivo, o que inclusive, foi reforçado pela nova redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional n.º 103/19 ao estabelecer que o regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos.

Já que tal modificação teve o condão de deixar claro que se trata de regime próprio daqueles que integram a Administração Pública como ocupantes de cargos de provimento efetivo, para somente na sequência impor o seu caráter contributivo.

Caráter esse que não pode ser encarado como condição de permanência como filiado ao Regime, uma vez que as contribuições são tidas como requisitos para a concessão do benefício (tempo de contribuição) ou como condição para a sua obtenção (carência).

Mas não se incluem dentre os requisitos necessários à filiação ao Regime Próprio, uma vez que este consiste no fato de ser o segurado ocupante de cargo efetivo ou vitalício.

 

Prova disso reside, por exemplo, no fato de que o recolhimento das contribuições previdenciárias dos filiados ao Regime Próprio é de responsabilidade do respectivo Ente Federado que o faz mediante desconto direto na remuneração destes, responsabilidade essa que não se exaure pela cessão do servidor para atuação em outro órgão ou mesmo em outro Poder ou Ente Federado, ante a previsão contida no artigo 1º-A da Lei n.º 9.717/98 que prevê que nessas hipóteses o servidor mantém-se filiado ao Regime Próprio de origem.

De forma que a licença sem remuneração não pode se constituir em fator ensejador da cessação da condição de segurado do Regime Próprio do ocupante de cargo efetivo ou vitalício.

 

5 – A Concessão da Aposentadoria

Razão pela qual, partindo das premissas até aqui lançadas, é possível afirmar a existência de duas correntes acerca da filiação do servidor ao Regime Próprio uma que se resume a considerá-lo como filiado apenas e tão somente por ser ocupante de cargo de provimento efetivo e a outra que além desse pressuposto, ainda impõe a efetivação das contribuições previdenciárias junto ao Regime.

Assim, ao se tomar por base a primeira linha de pensamento é possível afirmar que mesmo durante o período de licença sem remuneração o servidor mantém a condição de segurado junto ao Regime Próprio.

De outra monta segunda linha de pensamento somente reconhecerá essa possibilidade se houver contribuições durante esse período, tanto que, em diversas leis pelo País a fora consta previsão de que a não realização das contribuições previdenciárias junto ao Regime Próprio durante o período de licença impõe a suspensão da condição de segurado ou até mesmo a desfiliação durante esse lapso temporal.

De forma que, para os que adotam a segunda linha de pensamento não se admite a concessão de aposentadoria ou mesmo pensão por morte durante o período em que o servidor estiver de licença sem remuneração e não esteja contribuindo para o respectivo Regime.

Por outro lado, para aqueles que partem do pressuposto de que não é necessária a manutenção das contribuições para a concessão do benefício, ante a sua condição de segurado, é possível afirmar que deverá ser reconhecido ao servidor o direito à aposentadoria e a seus dependentes o direito à pensão por morte mesmo nas hipóteses de licença sem remuneração.

No que tange à aposentadoria é preciso destacar que a Lei n.

º 10.666/03 estabelece para os segurados do Regime Geral que:

Art. 3o A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.

  • 1oNa hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.
  • 2oA concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do § 1o, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3o, caput§ 2o, da Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.

Previsão cuja aplicação em sede de Regime Próprio, encontra fundamento de validade sempre que houver omissão na legislação local, em razão do que estabelece o § 12 do artigo 40 da Constituição Federal que segundo MARTINS[5] onde em não havendo conflito entre as regras e persistindo a omissão da norma do regime previdenciário da união, estadual ou municipal serão aplicadas as normas do Regime Geral.

Assim, ao se reconhecer a aplicação subsidiária de tal regramento em sede de Regime Próprio, é perfeitamente possível afirmar que a aposentadoria poderá ser concedida ao servidor durante a licença sem remuneração, mesmo que haja lei estabelecendo que a ausência de continuidade das contribuições durante o período de licença acarreta a perda da condição de segurado..

Além disso, é preciso destacar que o Tribunal de Contas da União, por intermédio do Acórdão n.º 1.408/2020 que:

CONSULTA. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE AOS DEPENDENTES DE SERVIDOR EM GOZO DE LICENÇA SEM REMUNERAÇÃO SEM MANUTENÇÃO DE VÍNCULO COM O RPPS BEM COMO DE SERVIDOR ATIVO QUE REUNIA OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À APOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE DESCONTOS DECORRENTES DE FALTAS INJUSTIFICADAS. POSSIBILIDADE DE CONTAGEM DE FALTAS INJUSTIFICADAS COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DIFERENÇA ENTRE SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO VÍNCULO AO REGIME PREVIDENCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE PENSÃO, À EXCEÇÃO DO SERVIDOR JÁ BENEFICIADO COM O ABONO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE FALTAS INJUSTIFICADAS. IMPOSSIBILIDADE DE CONTAGEM DE FALTAS INJUSTIFICADAS COMO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONHECIMENTO. RESPOSTA AO CONSULENTE. ARQUIVAMENTO. Nos termos do que dispõe o art. 183, §§ 2º e 3º, da Lei 8.112/1990, o servidor afastado ou licenciado de seu cargo efetivo sem remuneração, não optante pela manutenção do vínculo com o Plano de Seguridade Social do Servidor, não faz jus, assim como seus dependentes, aos benefícios do aludido regime previdenciário, inclusive a pensão por morte, salvo se beneficiário da vantagem prevista no art. 40, § 19, da Constituição Federal e nos arts. 2º, § 5º, e 3º, § 1º, da Emenda Constitucional 41/2003 (abono de permanência); Não é devido o recolhimento de contribuição previdenciária incidente sobre os valores dos descontos decorrentes de faltas ao serviço, nos termos do art. 29, § 4º, da Orientação Normativa MPS/SPPS 2/2009 (com redação dada pela Orientação Normativa MPS/SPPS 3/2009), tampouco é possível a contagem das faltas injustificadas como tempo de contribuição para fins de aposentadoria e disponibilidade.

Segundo o entendimento da Corte de Contas, o fato de o servidor possuir direito adquirido à inativação autoriza o reconhecimento do direito à pensão por morte, mesmo nos casos em que o falecimento tenha se dado durante o período de licença sem remuneração.

Ou seja, o fato de o direito à aposentadoria ter sido adquirido em data pretérita à licença sem remuneração se sobrepõe a uma possível perda da condição de segurado pela não manutenção das contribuições previdenciárias.

O que, pode-se dizer, ratifica o entendimento de que a ausência da contribuição previdenciária no período de licença sem remuneração não se constitui em óbice ao reconhecimento do direito ao benefício e, por conseguinte, à sua concessão.

 

NOTAS:

[1] FILHO, Marçal Justen. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 12ª edição, editora Revista dos Tribunais, página 1.225.

[2] AMADO, Frederico. CURSO DE DIREITO E PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. 9ª edição, editora Jus PODIVm, página 321.

[3] MEIRELLES. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 42ª edição, editora Malheiros, página 547

[4] CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS. 4ª edição, editora Juruá, página 109.

[5] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO. Editora LTr, 3ª edição, página 60.

 

 

 

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