Flexibilização dos institutos de direito processual civil em nome da proteção do segurado previdenciário hipossuficiente

Carlos Alberto Vieira de Gouveia – Sócio Proprietário da Carlos Gouveia e Marques Advogados.
David Davidsson Furtado da Costa – Advogado. Mestrando em Direito pela UFPE. Pós-Graduado em Direito da Seguridade Social pela UCAM. Professor de disciplinas jurídicas em plataformas digitais de ensino.

 

RESUMO. 
As normas processuais cíveis organizam e estruturam o exercício da atividade jurisdicional pelo Estado. Elas tem o escopo de consolidar as regras do jogo processual, trazendo previsibilidade e segurança jurídica para aqueles que se socorrem da jurisdição estatal em busca da pacificação social. Entretanto, por vezes, a norma processual não é bastante, por si só, para resolver uma determinada demanda surgida ao longo da resolução da lide. Nesses casos, a norma originariamente dotada de bom propósito, perverte-se, e torna-se verdadeiro obstáculo contra a garantia da justiça. Nasce a necessidade de que seja, portanto, relativizada diante de conjunturas específicas, ora contextos fáticos, ora conflitos entre diferentes esferas do direito. É o caso estudado no presente artigo, que trabalha a noção da necessidade de relativização da norma processual civil, quando esta estiver sendo empecilho à garantia da prestação previdenciária a que um segurado previdenciário hipossuficiente tem direito. Tal ideia é erigida a partir da proteção constitucional de maior relevo que é garantida aos destinatários da seguridade social, fazendo com que a rigidez do comando processual cível se curveà primazia do objetivo consagrado pela Carta Maior.

Palavras-chave: Norma processual civil. Rigidez da norma processual. Possibilidade de flexibilização. Segurado previdenciário hipossuficiente. Proteção constitucional do segurado previdenciário.

Sumário: 1. Introdução. 2. Das normas processuais cíveis do ordenamento jurídico brasileiro e da possiblidade de serem relativizadas em virtude da incidência de determinados fatores de relativização. 2.1. Da natureza e finalidade das normas processuais cíveis: pode a norma processual ser objeto de relativização?2.2. Normas processuais cíveis relativizadas pela praxe forense.2.3. Normas processuais cíveis relativizadas por outras normas processuais cíveis. 2.4. Normas processuais cíveis relativizadas por normas de outras abóbadas jurídicas. 3. A seguridade social e o princípio da proteção ao segurado previdenciário hipossuficiente no ordenamento jurídico brasileiro pós-1988. 4. Da flexibilização das normas processuais cíveis para garantia da proteção previdenciária do segurado hipossuficiente. 5. Considerações finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

As normas processuais, por sua própria natureza, possuem caráter rígido, apresentando como seu objetivo primordial a regência do modo como se realiza a materialização da prestação jurisdicional.

Elas são pensadas e criadas de maneira a garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para aqueles que buscam a intervenção do Estado no intuito de alcançarem a pacificação social mediante a instalação de uma lide.

Porém, nem sempre a rigidez normativa será suficiente para a resolução real das demandas apresentadas ao Judiciário, fazendo surgir a necessidade de que a mesma seja abrandada em nome da busca pela efetivação da justiça.

Desse modo, o presente artigo tem como objetivo elucidar em quais hipóteses e contextos específicos será possível se falar em uma relativização das rígidas normas processuais cíveis, especificamente quando o motivo de tal mitigação estiver fundado na proteção constitucional ao segurado, parte manifestamente hipossuficiente no âmbito da relação previdenciária.

Para isso, lançou-se mão de consulta bibliográfica relativa à matéria que envolve o estudo concernente a este esforço intelectual. Passou-se por obras de direito processual civil e direito previdenciário, bem como também por artigos científicos e jurisprudências selecionadas, que oportunamente se encaixaram em variados momentos da redação.

Descobriu-se, nesse caminho, que a aparente rigidez das normas processuais, necessária para a correta organização e regulação do processo de resolução das lides, não passa realmente de mera impressão exordial.

Materializa-se essa percepção no fato de que já existem no próprio arcabouço jurídico brasileiro, saídas – positivadas ou não – que possibilitam uma reinterpretação axiológica de certos institutos de direito processual, permitindo a relativização dos mesmos em prol de situações específicas, e especialmente, no caso do presente estudo, em prol do segurado previdenciário que se vê desconstituído da possibilidade de agir, como consequência da incidência de alguma norma processual proibitiva ou restritiva.

2 DAS NORMAS PROCESSUAIS CÍVEIS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E DA POSSIBLIDADE DE SEREM RELATIVIZADAS EM VIRTUDE DA INCIDÊNCIA DE DETERMINADOS FATORES DE RELATIVIZAÇÃO

A norma processual civil regulamenta os trâmites processuais no âmbito da jurisdição civil, e se projeta, quando cabível, para outros exercícios jurisdicionais.

Essa realidade, por si, já demonstra a relevância dos comandos normativos processuais.

Mas seriam eles absolutos e insuscetíveis de temperamento no caso concreto?

É o que se investiga nesta seção.

2.1 Da natureza e finalidade das normas processuais cíveis: pode a norma processual ser objeto de relativização?

Segundo o processualista Fredie Didier Jr., “o Direito Processual Civil compõe-se das normas que determinam o modo como o processo deve estruturar-se e as situações jurídicas que decorrem dos fatos jurídicos processuais.”(DIDIER JR., 2015, p. 34).

Ora, o processo é o veículo da atividade jurisdicional, não se concebendo o exercício da jurisdição civil sem que previamente se tenha plena ciência a respeito das regras aplicáveis ao jogo processual.

Nesse sentido, no exemplo brasileiro, o Código de Processo Civil (CPC) tem o escopo fundamental de congregar dentro de um corpo sistematizado de dispositivos normativos, as regras e preceitos essenciais para a organização da prestação jurisdicional do Estado.

Tais regras criam estabilidade e segurança jurídicas para aqueles que procuram o Estado-Juiz em busca da resolução de uma demanda específica que lhes retirou a tranquilidade social.

Porém, apesar desse desiderato estruturante e estabilizador, o sistema de regulação das relações processuais, sofre com as imperfeições oriundas da dualidade entre a formalidade assegurada por seus ditames, e a realidade social experimentada pelos jurisdicionados.

Tais normas reclamam sua própria reinterpretação quando da ocorrência de determinadas situações fáticas, ou mesmo eminentemente jurídicas.

Daí porque é possível defender que podem ser objeto de abrandamento desde que o fator de relativização utilizado para isso seja suficientemente apto a justificar tal empreitada hermenêutica, conforme será visto a seguir.

2.2 Normas processuais cíveis relativizadas pela praxe forense

O CPC de 2015 trouxe em seu artigo 334 a obrigatoriedade, como regra, da realização de audiência de conciliação ou mediação, antes mesmo do oferecimento da contestação. Ela pode ser dispensada caso ambas as partes da lide – autor e réu – optem expressamente pela sua não realização. (BRASIL. Lei 13.105, 2015, art. 344).

Trata-se de inovação que teve o intento original de agilizar a resolução de controvérsias judiciais, através da adoção de práticas de autocomposição no âmbito do próprio processo.

Entretanto, a norma que tinha o intuito primevo de tornar mais eficiente a prestação jurisdicional, acabou enfrentando óbices na praxe forense.

Um exemplo salutar é o da obrigatoriedade de designação dessa audiência, no âmbito específico das ações previdenciárias.

Nessas ações, a parte ré – na maioria das vezes o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – acaba não trabalhando com ofertas de acordo ou outras tentativas de conciliação, que se reservam a casos específicos classificados pela autarquia federal como passíveis de transação.

Assim, diante da inócua eficácia da realização de audiência de conciliação e mediação, a praxe forense vem fazendo alguns magistrados optarem por deixar de proceder a referida designação de audiência, em prol da celeridade e efetividade processual.

O raciocínio que serve a esse cenário é simples: se já se sabe que o ato processual mencionado neste contexto é manifestamente inútil, por qual motivo realizá-lo?

Apesar disso, a prática forense tem acenado para o fato de que há juízes que, mesmo diante dessa situação, preferem realizar a mencionada audiência.

Surge como fundamento para essa decisão, além do atendimento ao teor da prescrição legal, a prudência em evitar que o julgamento do processo possa sofrer futura decretação de nulidade, em vista de eventual alegação de supressão de fase processual.

De todo modo, o fato de determinado julgador, diante da impraticabilidade real de certo dispositivo processual, resolver dispensá-lo, em virtude da praxe forense, é cristalino exemplo de relativização de norma processual, que em tese, é rígida.

2.3 Normas processuais cíveis relativizadas por outras normas processuais cíveis

Não raro, a própria norma, por vezes na mesma codificação, estabelece critérios e métodos para que determinado excerto normativo seja objeto de temperamento.

É o caso, por exemplo, dos requisitos essenciais para que uma petição inicial possa ser recepcionada e processada no ambiente do procedimento comum do CPC de 2015.

O regramento processual vigente estabelece que um de tais requisitos é a completa qualificação das partes que figurarão na lide.

Consiste essa qualificação na indicação clara dos nomes, prenomes, estado civil, profissão, inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), endereço eletrônico, domicílio e residência do autor e do réu, além da menção quanto à existência de união estável, ser for o caso(BRASIL. Lei 13.105, 2015, art. 319, II).

Ocorre que, em certas ocasiões, barreiras objetivas e práticas impedem o cumprimento rigoroso desse dispositivo, sendo necessário que o conteúdo da norma seja relativizado de modo a se adaptar às demandas do mundo real.

O que dizer, por exemplo, da parte processual que vive em estado de miserabilidade e não possui um e-mail pessoal? Ou daquele que vive em lugar ermo, ainda sem endereço formal atribuído?

Nesses casos, o próprio Código de Processo Civil fornece a resposta para a problemática, relativizando as exigências quanto à qualificação.

Essa solução é encontrada nos fatores de relativização elencados pelos parágrafos do artigo 319 do CPC, com maior destaque para o disposto no parágrafo terceiro, que diz que a petição não será indeferida pelo mero desatendimento dos requisitos de qualificação das partes, se a obtenção das informações necessárias para o cumprimento desse requisito, tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça. (BRASIL. Lei 13.105, 2015, art. 319, §§ 1º, 2º e 3º).

Trata-se, como se vê, de hipótese de relativização levada a contento pelo próprio texto processual em que está inserida a norma a ser abrandada, o que fortalece a tese, segundo a qual, normas processuais rígidas são passíveis de amenização.

2.4 Normas processuais cíveis relativizadas por normas de outras abóbadas jurídicas

Apesar de o direito enquanto universo científico ser único, e de a jurisdição ser una, as divisões que visam especializar os ramos de direito material e direito processual, servem a um fim didático e organizacional.

Nesse sentido, é lógico afirmar que apesar de o exercício da atividade jurisdicional ser atribuição estatal, irá se pormenorizar e fragmentar em esferas jurídicas regidas por diferentes regras e principiologias.

É por conta disso que se pode falar a respeito de uma norma processual cível ser relativizada (ou até afastada completamente) se a matéria jurídica que estiver em questão for de preferência ou exclusividade de um ramo do direito dotado de caracteres próprios e específicos.

Por isso que apesar de a norma processual civil possuir incidência geral, não produzirá efeitos se confrontada com a existência de norma processual específica que com a primeira seja conflitante.

É o que se observa, verbi gratia, no processo penal brasileiro, que consagra a busca pela verdade real do processo, enquanto que no processo civil o que classicamente se procura é a verdade formal verificada nos autos.

A norma geral – que privilegia a verdade formal – é relativizada em prol da norma específica – que procura pela verdade real – já que esta última é axiologicamente mais apta a produzir justiça no âmbito dos processos criminais, prevalecendo, portanto, sobre a primeira.

3 A SEGURIDADE SOCIAL E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO SEGURADO PREVIDENCIÁRIO HIPOSSUFICIENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO PÓS-1988

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira carta fundamental brasileira a instituir no país um amplo e estruturado complexo de proteção social, abrangendo saúde, assistência social e previdência social, cada um dos quais figurando como um dos vértices do sistema denominado pelo constituinte como seguridade social.

Ele foi concebido de modo a se posicionar como um ancoradouro seguro para as pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade, seja por contingências de saúde, limitações financeiras ou eventos diversos da vida (morte e desemprego, por exemplo).

Dessa forma, o Estado consegue proteger seu povo contra eventos – previsíveis ou não – aptos a causar a sua miséria e intranquilidade social, providenciando recursos para manter, ao menos, o mínimo existencial e, por conseguinte, a dignidade humana, instituindo um eficaz sistema de proteção social. (AMADO apud COSTA, 2015).

Dentro desse ínterim, a saúde foi projetada como um direito universal e gratuito, de acesso a todos, independentemente de condição social ou do pagamento de contribuições individuais específicas para o seu financiamento.

Por outro lado, a assistência social foi pensada e estruturada de modo a oferecer a quem comprovar dela necessitar – e somente a quem comprovar verdadeiramente tal necessidade – os recursos necessários para a superação do estado de miserabilidade. Também aqui não haverá necessidade de contribuição específica, sendo seu orçamento proveniente dos tributos em geral, semelhantemente ao que sucede com a saúde.

Já na previdência social temos um quadro diferente. Há proteção previdenciária tão somente para quem se enquadre como segurado, podendo a prestação final ser percebida pelo próprio segurado, bem como por seu dependente, a depender do benefício ou serviço que esteja sendo analisado.

Como requisito para adquirir a chamada qualidade de segurado é condição sinequa non o pagamento de contribuições previdenciárias que financiem o caixa da previdência. É, portanto, um sistema contributivo, diferentemente da saúde e da assistência, que são não contributivos.

Feita essa abordagem, é preciso observar que neste trabalho restringiu-se o campo de estudo ao segurado previdenciário. Logo, apesar de saúde e assistência social também sofrerem reflexos daquilo que será arguido adiante, o foco do texto estará repousado na previdência social, e em sua respectiva proteção constitucional.

Nessa linha de pensamento, há de se sublinhar, desde já, que o segurado da previdência social, notadamente aquele enquadrado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), situa-se em uma abóbada jurídica especial, fundamentada em sua natural hipossuficiência na relação previdenciária.

Esse status privilegiado decorre de uma construção jurídica que leva em conta diferentes conceitos, argumentos e premissas.

Primeiramente, confere-se ao segurado o status de hipossuficiente, em virtude do desequilíbrio processual causado pela presença – seja na relação previdenciária, seja em uma lide instalada – de autarquia de grande porte, o INSS, a qual é estabelecida e capilarizada em âmbito nacional, e dotada de complexa organização hierárquica e administrativa.

Tamanha força, própria desse ente público, transforma seu adversário processual mais frequente – o segurado – em alguém queprecisará ser observado a partir das lentes da hipossuficiência processual, tendo em vista seu leque consideravelmente menor de ação e reação.

Ademais, a mencionada hipossuficiência não é construída apenas a partir da comparação entre as partes da relação previdenciária.

É imperioso rememorar que o segurado previdenciário é titular de direito que, se não lhe for assegurado, comprometerá sua renda mensal, afetando sua capacidade de autodeterminação, e gerando reflexos negativos naqueles que dele dependem economicamente.

Assim, o segurado precisa ser moldado através da ótica da hipossuficiência, também pelo fato de que, em condições normais, não possui capacidade de suportar um revés na sua expectativa de receber a prestação previdenciária devida. Situação muito distinta da que ocorre com os cofres do INSS, que se submetem a todosos superlativos próprios da gestão do erário, o que assegura que possuam um espectro de resiliência financeira consideravelmente maior.

4 DA FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CÍVEIS PARA GARANTIA DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO SEGURADO HIPOSSUFICIENTE

No primeiro tópico do presente artigo trabalhou-se a ideia de que as normas processuais civis podem ser relativizadas desde que o fator de relativização seja apto a realizar tal desígnio.

Vale dizer, se determinado contexto fático ou conflito de esferas jurídicas se estabelecer, a ponto de ser necessário o afastamento da incidência da norma processual cível, será possível fazê-lo, e relativizá-la até a gradação necessária para que se restabeleça o equilíbrio na busca pela justiça.

Em seguida, no segundo tópico, demonstrou-se que o segurado previdenciário hipossuficiente está situado em uma abóbada jurídica especial, tendo direito a receber tratamento processual diferenciado.

Registre-se, à guisa de contextualização, que critério semelhante de proporcionalização e abrandecimento, já vem sendo aplicado para o fim de interpretar e aplicar as regras processuais de modo favorável ao segurado previdenciário, especialmente quando existirem dúvidas no que respeita à comprovação de algum dos requisitos necessários para a configuração de determinado direito a que ele faça jus.

Trata-se do princípio da proteção ao segurado previdenciário, verificável nos casos em que a pendência de dúvida sobre um aspecto objetivo surgido no processo, será suficiente para que a decisão final relativa ao mérito sobre o qual recai a incerteza, seja, por conta dessa indeterminação, favorável ao segurado, e não à autarquia previdenciária.

Não é, entretanto, uma defesa em favor da adoção de entendimentos diametralmente opostos, como consequência de uma eventual aplicação desvairada dos enunciados dos textos normativos.

Na verdade, o que se aduz é que o intérprete-julgador deve, dentre as várias formulações possíveis para um mesmo enunciado normativo, buscar aquela que melhor atenda à função social, protegendo, com isso, aquele que depende das políticas públicas sociais para sua subsistência. (LAZZARI et al., 2015).

Partindo dessas constatações, sustenta-se ser perfeitamente possível que uma norma processual cível seja abrandada em nome da preservação do melhor interesse do segurado previdenciário, desde que o fator de relativização sob análise esteja respaldado nos fins sociais e protetivos estipulados pela Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, colaciona-se aqui parte da ementa do julgado relatado pelo Ministro Napoleão Nunes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido na apreciação do Recurso Especial 1.352.721, originário do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, julgado em 16/12/2015, com publicação eletrônica em 28/04/2016, que corrobora o raciocínio acima exposto.

In verbis:

[…] Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado […]. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2016, grifo nosso).

Apesar da menção a valores morais ser passível de críticas, certamente quis o seu autor fazer referência ao fato de que a Constituição fez uma clara opção de valores e cultura, ao estabelecer em seu corpo preceitos cristalinos para a tutela dos interesses dos hipossuficientes, aqui abrangidos os segurados da previdência social.

Não é sem razão que o próprio texto constitucional preleciona que a filiação ao RGPS é obrigatória, não cabendo ao indivíduo que exerce atividade remunerada a liberdade quanto à união ao regime geral de previdência. (BRASIL. Constituição, 1988, art. 201).

Desse modo, através da obrigatoriedade de filiação, assegura-se que o trabalhador brasileiro médio, muitas vezes alheio a seus direitos mais básicos e elementares, terá à sua disposição, quando necessário, um regime de proteção social apto a fazê-lo superar um momento de especial adversidade e vulnerabilidade. É a materialização constitucional do propósito político socializante que o país assumiu para si.

Realmente, nesse contexto, de nada adiantaria edificar uma elaborada sistemática processual civil, se esta terminasse por se tornar uma barreira impeditiva aos direitos sociais e à consagração dos imperativos princípios da Carta Magna.

Por essa razão, havendo conflito entre norma processual cível e o acesso efetivo à justiça social pretendida pelo ordenamento constitucional brasileiro, deve-se afastar a rigidez do comando processual, em homenagem à proteção do segurado hipossuficiente, que deposita sua confiança alimentar no percebimento de uma prestação previdenciária.

Noutras palavras, não se tratando de situação jurídico-processual indiscutivelmente insanável, há de se privilegiar o acesso do segurado à prestação jurisdicional que efetivará o seu direito social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A rigidez dos institutos do direito processual civil parece inicialmente apontar para um regime de regras, princípios e normas que não comportam juízos de adaptabilidade. Porém, trata-se apenas de mera impressão inicial.

Restou demonstrado que é perfeitamente possível a relativização de tais comandos, desde que presente algum dos elementos de relativização referidos no texto.

Referida possibilidade, de se reinterpretar a adequação e proporcionalidade de determinado preceito normatizado, pode ser vista através das modulações realizadas com base na praxe forense, ou na aplicação comparada de certos direitos e princípios jurídicos.

Observa-se fenômeno semelhante nas previsões legais que trazem dentro de si outras previsões legais que servem como autolimitadores propositais, como se vê na norma processual cível que permite a relativização da necessidade de se qualificar integralmente as partes do processo quando da elaboração da petição inicial.

Dentro dessa perspectiva, ficou evidenciada a abertura para que o princípio jurídico constitucional da proteção maior do segurado previdenciário – e dos destinatários da seguridade social como um todo- também possa servir como bússola para a aplicação relativizada dos rígidos institutos processuais cíveis, desde que verificadas determinadas circunstâncias concretas.

É, assim, viável e desejável a aceitação de que a norma processual possa ser relativizada, para que a finalidade maior da proteção do segurado previdenciário hipossuficiente se veja concretizada.

Dito de outra forma, é preferível que uma norma processual não absoluta seja desatendida, do que seja colocada em xeque a prestação previdenciária devida a um segurado que se socorreu do Poder Judiciário e se viu ameaçado pela incidência de determinado comando processual.

Tal realidade foi captada no julgamento do Recurso Especial nº 1.352.721/SP, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes, que conduziu o colegiado do Superior Tribunal de Justiça no sentido do afastamento de norma processual, a fim de privilegiar o acesso à justiça pelo segurado previdenciário.

Esse fato serviu como lastro inicial do presente labor científico, tendo dado azo para que toda uma sorte de cenários – direta ou indiretamente relacionados à temática sugerida pelo teor do julgado -pudessem ser esquadrinhados, conforme se pode deduzir da análise dos capítulos e subcapítulos ora redigidos.

Nesses termos, encerrou-se a pesquisa referente ao tema proposto neste artigo, referendando-se a possibilidade doutrinária, técnica e prática, da flexibilização dos institutos de direito processual civil como instrumento de proteção do segurado previdenciário, no pleno respeito ao espírito social que pairava sobre o constituinte de 1988, quando este estipulou normas de proteção para os destinatários da seguridade social.

 

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 28 out. 2016.
_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.352.721/SP. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília, Corte Especial, 16 de dezembro de 2015, DJe 28/04/2016.
COSTA, D. D. F. Tensões no diálogo entre a prestação jurisdicional intervencionista e a reserva do possível. Revista Parahyba Judiciária, João Pessoa, v.09, p.376-396, setembro, 2015.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.17. ed.Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.
LAZZARI, João Batista [et al.]. Prática processual previdenciária: administrativa e judicial.7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

 

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