Os direitos autorais e a multiplicação das lives musicais na Internet

Milena Cintra de Souza – Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Público.

 

Em tempos de pandemia, a proliferação das apresentações musicais online é uma realidade e se estendem nas diversas mídias e redes sociais do país. Com o isolamento social, é significativo aumento da demanda por eventos na Internet, notadamente na forma de lives musicais, com uma agenda diária e semanal extensa.

O fato é que as lives têm gerado polêmicas e dúvidas para todos os envolvidos, desde a questão dos direitos autorais das obras executadas nas lives até a sua posterior gravação nas redes sociais, passeando pelo pagamento a compositores e músicos e o posicionamento do judiciário nacional a respeito do tema.

Nacionalmente, os direitos autorais são disciplinados pela Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA),com abrangência de obras de caráter artístico, cultural e científico e proteção da exclusividade de uso da obra, independentemente de qualquer registro, apesar da sua relevância para provar a titularidade do direito em um eventual conflito de interesses.

Ocaso das lives refere-se diretamente ao uso da “execução pública” prevista no art. 68 da LDA, com necessidade de prévia autorização dos titulares dos direitos autorais das obras utilizadas, sendo, no caso das músicas, do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) o poder para, em nome dos titulares dos direitos, realizar a cobrança por esse tipo de uso.

Conforme art. 68, § 2º da referida legislação, considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.

Mas o que seria local de frequência coletiva? As lives estariam abrangidas nele?
Pela LDA, local de frequência coletiva é qualquer lugar “onde se representem, executem ou transmitam obras” de modo a alcançar um grupo de ouvintes (Art. 68, § 3º), sendo omissa a lei sobre a questão das lives como uma espécie de execução pública, surgindo, então, dúvidas a respeito do tema, especialmente pelo fatode que o público que assiste a apresentação não se encontra no mesmo local que o artista.

Sobre o tema, é fundamental destacar o REsp 1.559.264/RJ, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2017, oportunidade em que, de uma forma geral, considerou que as plataformas digitais são locais de frequência coletiva e o uso de músicas nesse ambiente é uma forma de execução pública, sujeita a todas as regras normais da Lei de Direitos Autorais.

A decisão do Tribunal Superior representa um marco sobre o assunto diante da omissão legislativa, com a veemência na declaração de que, por se tratar de execução pública musical, a transmissão via internet das obras implica na possibilidade de cobrança de direitos autorais pelo ECAD .Portanto, irrelevante se o evento é ao vivo ou não, físico ou online, pago ou gratuito, patrocinado ou não, sendo o fator determinante a transmissão das músicas para uma coletividade de ouvintes.

Destaca-se, assim, que se consagrou a interpretação finalística da legislação em vigor, de modo que as lives não podem ser desconsideradas como um tipo de execução pública pelo mero fatode não estarem previstas expressamente na lei 9.610/98, sendo a lista de espaços indicados como “locais de frequência coletiva” no art. 68, §3º da LDA apenas exemplificativa, sem previsão absoluta do tema.

Perdeu uma live e não ficou disponibilizada para assistir depois? Certamente houve descumprimento de alguma norma sobre direitos autorais.

Nesse aspecto, cumpre ressaltar que caso haja gravação da live, se estará na seara do uso das obras através da reprodução que não se confunde com a execução pública e, por essa razão, encontra-se fora do campo de qualquer pagamento feito ao ECAD. Conforme art. 31 da LAD, eventual permissão para tocar as canções não implica, automaticamente, em anuência para gravação ao vivo das mesmas, de modo que gravar a live implica autorização específica por parte dos titulares dos direitos autorais envolvidos e também dos intérpretes/executantes, que têm direitos conexos sobre a sua apresentação.
Assim é que, a realização de uma live deve observar a legislação de direitos autorais como espécie de execução pública e também como reprodução, caso haja gravação, com a devida remuneração dos titulares dos direitos autorais das obras, dos intérpretes e dos produtores fonográficos quando houver uso de música previamente gravada, não podendo a era das lives, que parece vim para ficar, servir de subterfugio para o desrespeito à legislação autoral.

Recomenda-se uma prévia assessoria jurídica sobre o tema antes de divulgar e transmitir uma live, sobretudo quando envolver direitos autorais de terceiros, a fim a de que sejam observadas todas as normas que envolvem o assunto do início ao fim de todo o procedimento artístico.

 

 

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