Vedação à contratação, ao aceso aos financiamentos, créditos, isenções e benefícios fiscais no auto de infração ou embargo ambiental: inconstitucionalidades e ilegalidades

 Georges Humbert –  Advogado, professor, pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IBRADES.

 

Com a legítima, democrática e constitucional finalidade de ampliar os meios de combater o desmatamento e outras infrações ambientais graves, o Poder Executivo brasileiro passou a adotar uma nova orientação da Advocacia Geral da União, segundo a qual uma nova regra que proíbe órgãos das diversas esferas da administração pública de contratar pessoas ou empresas que estejam na lista de inidôneos por grave infração ambiental. A esta via sancionadora, de ordem econômica, já prevista em lei, acresce-se a proibição de receber incentivos econômicos e benefícios fiscais, o que inclui financiamento em bancos estatais. Tais mecanismos merecem aplauso, desde que aplicado nos termos da Constituição e normas derivadas.

É pressuposto constitucional, enquanto garantia fundamental das pessoas físicas e jurídicas em um Estado Democrático de Direito, gozar da presunção da inocência, apenas desconstituível por uma sentença judicial transitada em julgado ou por uma decisão final em processo administrativo, após o devido processo legal e sempre assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Todavia, tem se assistido um punitivismo antidemocrático, um negacionismo ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal em matéria constitucional. É que, muitos supostos infratores ambientais estão sofrendo as sanções de ter acesso vedado ao crédito e a contratações, antes mesmo de ser notificada, de ser ouvida, de apresentar defesa, de produzir prova.

Ora, não se pode, ao arrepio da legislação em vigor, impor a a sanção sem antes assegurar o contraditório e ampla defesa, inclusive o direito a recurso, e após o trânsito em julgado administrativo, sob pena daquele agente e órgão que promova a divulgação da sanção ainda não confirmada em processo regular atentar frontalmente com as já citadas garantias e direitos fundamentais, assim como violar princípios da administração pública, notadamente os da moralidade, o da probidade administrativa, o da impessoalidade e o da legalidade, sendo certo que em razão disto o agente e o órgão estão passíveis à responsabilização objetiva pelos danos materiais e morais causados, além de poder incidir em crimes de abuso de autoridade.

Frise-se: o democrático e fundamental direito constitucional de defesa deve anteceder a aplicação da pena, conforme prescreve o art. 5°, da Constituição Federal, isto é, antes mesmo da aplicação de qualquer sanção.

Por isto mesmo, por dever constitucional e democrático, a lei federal de processo administrativo (Lei 9784/99, arts. 3°, inciso III e art. 38) – e também as diversas leis estaduais e municipais – prevê o seguinte rito processual não obedecido no caso concreto, já que deve ser anterior à Autuação para aplicação de pena: 1 – expedição de auto de infração (sem multa) e abertura de prazo para a defesa; 2 – decisão da administração sobre a defesa; 3 – recurso; 4 – decisão final; 5 – Autuação para pagamento da multa.

Por fim, não é demasiado registrar que a forma de aplicação da pena em debate, além de ter desconsiderado o contraditório e a ampla defesa, viola também o princípio da fiscalização orientadora, que, por sua vez, decorre diretamente do devido processo legal (art. 5°, da CF), eficiência (art. 37, da CF) e prevenção/precaução (art. 225, da CF). A referida norma da fiscalização orientadora foi expressamente acolhida pela Lei Complementar Federal nº. 123/06 e já regulamentada pelo IBAMA, mediante a Instrução Normativa nº. 211/2008 e IMETRO, pela portaria n.° 436/07.  Na sua essência, impõe aos órgãos fiscalizadores da administração pública, incluindo os ambientais, que seja obedecido o critério de dupla visita para aplicação de qualquer sanção ou para se imputar responsabilidades e deveres de reparação.

Pelo exposto, não havendo decisão administrativa final, isto é, somente lavrado o auto de infração ou embargo, é vedada a imposição de qualquer obrigação ou medida restritiva, incluindo a vedação de contratar com o Poder Público, obter benefícios econômicos de fomento, fiscais ou mesmo acesso a crédito em bancos estatais, pena de se configurar grave ofensa à Constituição, ao Estado Democrático de Direito e às leis processuais.

 

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